Tony Carreira deu a Manuel LuĂs Goucha a primeira entrevista depois da morte da filha.
Quase duas semanas depois da exibição da entrevista a Tony Carreira, o momento ainda “pesa” no coração de Manuel LuĂs Goucha. Num texto assinado pelo apresentador, no qual Ă© justificada a conversa entre ambos, o profissional de televisĂŁo assumiu que esta foi “a mais difĂcil” que já teve.
Leia aqui as palavras escritas pelo prĂłprio Manuel LuĂs Goucha:
“A informação chegou-me há uns dois meses, no decorrer de uma reuniĂŁo marcada para tratar de assuntos relativos ao programa das tardes: «O Tony, quando se sentir capaz, Ă© contigo que quer conversar».
Calei-a, como quem protege um segredo, desejando no Ăntimo que fosse o mais tarde possĂvel, consciente da importância mediática que tal conversa assumiria, mas igualmente do doloroso que seria mexer numa vida suspensa, num vazio que cresce.
Procurei esquecer o assunto, no afã diário de conhecer outras histórias de vida, que é isso atualmente que me traz à pantalha, sendo que, nesses casos, independentemente da empatia que procuro sempre estabelecer, existe o distanciamento e a racionalidade que julgo necessários à condução de uma conversa.
Soçobrar ao peso da narrativa, desviando as atenções para quem questiona, Ă© coisa que nĂŁo desejo, por entender que protagonista Ă© quem se me apresenta em toda a verdade. Levei algum tempo a compreendĂŞ-lo já que, sendo este um ofĂcio de egos, Ă© fácil «perder-se a tramontana» em práticas de oca vaidade.
O dia chegou depois de uma noite de luar apagado, horas pesadas e inquietas. NĂŁo havia como fugir, era chegado o momento de cumpliciar a dor de um pai que morre na morte da sua filha. E, tendo-lhe uma estima de tantos anos, como fazĂŞ-lo senĂŁo com o coração? DaĂ que tivesse sido uma conversa em ferida. De todas, a mais difĂcil.
Perante mim, um amigo amado, grande na sua vulnerabilidade. Foi uma conversa de olhos molhados, silêncios que doem, gritos que vibram na alma. Era deixá-lo ir, apenas isso e tanto era, ao ritmo da memória que não se apaga, de gestos que são revolta ou prece, das sombras que amaldiçoam. Uma dor lenta e salgada em cada palavra, pântano onde naufragámos. Que destino é este que nos cobre?
As palavras ganham viço quando se fala da Associação agora criada. Será ela a dar rota aos sonhos de muitos jovens, perpetuando assim a luz da Sara. E logo a lembrança faz com que os olhos entornem a saudade.
Foi conversar sem princĂpio nem fim. Foi estar, seguindo-lhe o pensamento e dando-lhe a mĂŁo. Perdi a noção do tempo, achando desnecessárias as palavras quando o silĂŞncio era maior. Acabei sĂł naquela manhĂŁ lĂquida e foi naquele abraço, que nĂŁo quis castigar em nome das regras de segurança a que somos aconselhados e julgando que as câmaras já se tinham desligado, que me salvei.” (Manuel LuĂs Goucha)
Leia também: Hernâni Carvalho fala sobre caso de menino atropelado: “Todos são responsáveis…”