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Nuno Azinheira desolado com a morte do tio António Mega Ferreira

Duarte Costa
5 min leitura
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Nuno Azinheira é sobrinho de António Mega Ferreira, o escritor, jornalista e mentor da Expo 98 que faleceu nesta segunda-feira, dia 26, aos 73 anos.

Nuno Azinheira, comentador do programa Passadeira Vermelha, da SIC Caras, recordou em lágrimas o tio António Mega Ferreira, que morreu um dia depois do Natal.

Leia aqui o texto partilhado por Nuno Azinheira:

«É uma memória difusa que tenho, mas talvez a mais firme ideia do que é um herói. Não consigo precisar hoje se estaríamos em 1980 ou 81. Sei que tinha seis ou sete anos, e de, pela mão da minha mãe, enfrentar uma multidão de gente enfurecida, que se manifestava com palavras de ordem em frente à ANOP, ali na Júlio Andrade, entre o Torel e o Campo Mártires da Pátria.

Tu estavas lá na redação da agência, António, jornalista exímio, em tempos políticos conturbados. A minha mãe, tua irmã, tentava chegar até ti, para saber se estava tudo bem. Conseguimos a custo entrar no palacete. Estava tudo bem, apesar da gritaria lá fora. Até aí eu acho que não tinha ideia do que era um jornalista. Mas eu, pouco dado a heroísmos, senti ali um orgulho imenso. Estava tudo bem contigo e isso bastava-me. Aos meus olhos, naquele tempo, foste o meu primeiro herói. E terá sido ali que nasceu essa minha vontade de ser jornalista, de me inquietar, de abrir os olhos ao novo.

Esse orgulho nunca esmoreceu, antes pelo contrário. E é ele que nos salva por estes dias. Porra, foi rápido mas intenso. Fizeste o que querias e como querias. Viveste à tua imagem — grande e inteiro. Nunca o apelido Mega poderia ser tão superlativo.

Quando decidi que, sim, queria ser jornalista, ali aos 13, 14 anos, foi óbvio para mim que fugiria à forma fácil de entrar na profissão. Ostentei sempre os apelidos Mega Ferreira no meu nome, mas optei pelo Azinheira, o último, vindo do meu pai. Uma vez, já mais tarde, perguntaste-me porquê. Adivinhei uma centelha de desilusão, mas foste rápido a dar a resposta e a desanuviar a penumbra. “Não, fizeste bem. Construíste o teu nome e reputação profissional por ti”. Sim, foi por isso. Eu queria ser como tu, bravo, intenso, caótico, idiota, genial. Mas se o viesse a ser, caramba, haveria de ser por mim. Com os teu genes, claro, mas sem o teu nome.

Vacilei e traí a minha consciência uma vez. Era verão e o Presidente Mário Soares estava no Vau, em férias. Na Rádio Ocidente, em Sintra, onde trabalhava, já não me lembro a propósito de quê, quis entrevistar Soares. Liguei para a casa do Vau e anunciei-me: “Fala Nuno Mega Ferreira”, disse orgulhoso. Vinte segundos depois, o Presidente apareceu do outro lado da linha. E conversámos durante dez minutos, a propósito de uma falsa intimidade, por mim forjada. Fiquei contente com a entrevista, mas com a consciência pesada. E de novo o orgulho gigante.

Passaram-se os anos e a nossa relação sempre foi amistosa, carinhosa mas não próxima. “Olha que ele tem um grande orgulho em ti. Ele disse-mo”, contou-me uma vez o nosso amigo comum, e um dos meus mestres, Luís Pinheiro de Almeida. Não eras muito de dizer essas coisas, mas sempre foste um homem dos gestos e dos afetos. E esse olhar dizia sempre tudo.

A partir de 2012, aproximámo-nos muito. Tenho pena de só te ter vivido intensamente durante dez anos. Mas, caramba, que privilégio. Estendeste-me a mão vezes sem conta, pediste-me ajuda outras tantas, quando o orgulho te permitiu. Partilhámos histórias inconfessáveis, gargalhadas só nossas, amizades intensas, na tua Lisboa de sempre e na tua Tavira acidental, que se tornou minha também, naquele Vale Formoso que guardará para sempre cada pedaço de ti em cada pedacinho de nós.

O último ano foi difícil. Penoso. Sentiste tudo, percebeste tudo. Havia uma esperança em todos nós, não em ti. Por entre as lágrimas com que escrevo estas linhas, há uma consolação maior: ninguém merece a indignidade de viver sem viver. Muito menos tu. Hoje começamos a despedirmo-nos de ti. Vai ser duro, brutal. Mas vamos celebrar-te sempre. Porque um epicurista como tu assim o exigia. Obrigado por tudo. Por tanto.» (Nuno Azinheira)

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