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A Entrevista – Rita Brütt

A Televisão
15 min leitura

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Entre o teatro e a televisão, Rita Brütt constrói personagens com uma segurança que contraria a insegurança que confessa sentir. Foi a Isabel de Conta-me Como Foi e na televisão assim encarnou a condição de mulher portuguesa, nos anos 60. Trabalhou sem parar nos anos que se seguiram, e recentemente, depois de terminar um curso de aperfeiçoamento profissional, pensou que este iria ser o ano da sua autonomia como atriz. «Agora é que vai ser», pensou. Mas acabou por ter muito pouco trabalho. «2014 foi menos bom, mas às vezes há males que vêm por bem».

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És a Raquel de Jardins Proibidos, uma mulher grávida, que sofre de cancro. Sentes uma responsabilidade acrescida?

Sim, é uma responsabilidade, mas por outro lado eu não tenho a arrogância de pensar que este papel é mais importante do que qualquer outro. Ou seja, se eu contar uma história de amor (só) ou se contar uma história de uma mulher que tem um cancro, os dois papéis são importantes – no ponto de vista da atriz que faz um trabalho, que constrói uma personagem para contar uma história. Há sempre uma delicadeza, não acho que seja uma responsabilidade acrescida.

Necessitaste de alguma preparação especial?

Todas as personagem requerem uma preparação especial. Para a Raquel, felizmente não sei muitas coisas sobre esta doença (sobre o que é ter um cancro). Por isso, tive que falar com pessoas; testemunhos de pessoas que estiveram doentes, que estão doentes e que estão em tratamentos. É preciso ter muito cuidado, porque isto é um tema real, doloroso, que afeta muita gente, e eu estou só a contar uma história.

Ter contacto com esta realidade fez-te dar mais valor à tua vida?

Eu dou muito valor à vida, sempre dei.

Concretamente, mudaste algum dos teus hábitos?

Eu sou bastante cuidadosa com o que como, tento ter uma vida saudável. Mas sim, tenho pensado nisso também, porque li algumas coisas e há muitas teorias sobre a alimentação (e sobre a relação do cancro com o que se come). O património que tu constróis (físico e de saúde) é da tua responsabilidade. E tu não estás livre que nada te aconteça, mas dentro daquilo que tu podes fazer, deves tentar fazer. Eu sou responsável pela minha saúde imediata e pelos estragos que faço ao meu corpo, mas isso não me livra de absolutamente nada. Há coisas que eu não controlo, como por exemplo um cancro.

Esta personagem já te levou a pensar: «E se isto me acontecesse a mim?»

Claro que já pensei.

Grávida e com cancro, que decisão tomarias?

Não é uma coisa que eu consiga dizer: faria «assim». Acho que só quem vive isso é que pode decidir no momento. Há imensas coisas que tu podes imaginar, mas é de uma arrogância pensares que saberias como é que lidarias com uma situação difícil, porque é irrefletido.

É difícil fazer cenas emotivas e pesadas?

Muito. O diretor de som perguntou-me isso lá no estúdio; se não era muito pesado para mim, se eu notava uma diferença, se eu levava isto para casa. Isto não sou eu, eu não me posso imaginar nesta posição. Eu estou a contar uma história e estou treinada para isto, por isso há uma grande separação entre mim e a Raquel.

Como é que encontras a emoção para conseguires dar realidade às cenas?

Eu tento ir o mais fundo que consigo, em cena, a fazer as coisas e a sentir o que é que é aquela tragédia, a dor de perder ou não perder um filho. E depois, quando ponho o pé fora do estúdio, estou a rir-me e a fazer piadas e a brincar. E eu preciso disso, porque é uma carga enorme, é uma espécie de bagagem que eu carrego. Mas a Raquel também é uma mulher cheia de força, e as pessoas que têm cancro não estão todos os momentos a pensar nisto. A minha personagem está muito bem estruturada, porque ela tem outras coisas (que a fazem feliz). E isso é que é a vida real, porque as pessoas às vezes estão doentes, mas têm coisas que as fazem andar para a frente.

Retratar temas atuais torna a novela mais próxima da realidade?

Claro! É muito importante que as pessoas encontrem conforto, encontrem as suas histórias retratadas na televisão. É uma maneira de fazeres companhia e de te aproximares da vida real. Se for tudo super irreal e andarmos sempre no mesmo helicópetro, as pessoas não se identificam. E nós, atores, somos pessoas normais. É fixe que contemos histórias que as pessoas se identifiquem.

O facto de interpretartes uma mulher grávida despertou o instinto maternal?

[risos] Não!

Não?

Nada! Eu farto-me de rir. Às vezes vou fumar um cigarro lá fora, com a barriga falsa e brinco imenso. Aquilo devia ser o meu disfarce do Halloween: com um cigarro no canto da boca e uma cerveja… e grávida [risos]! Não, estou a brincar. Quer dizer, acho que não. Não despertou o instinto maternal.

Como tens visto a tua química em cena com o ator Rui Porto Nunes?

Ele é maravilhoso. É um ator empenhadíssimo e mergulhou completamente naquela história. Nós não nos conhecíamos e damo-nos super bem. É muito fácil fazer as cenas com ele. É um marido extremoso e amoroso. Tive muita sorte.

O que Jardins Proibidos tem para prender o público?

O grande trunfo da novela é o facto de ter sido um projeto que veio de trás e que o público reconhece. Há umas personagens que o público viu crescer, e viu crescer os atores que faziam essas personagens. Em termos de história, não é muito diferente das outras novelas. É uma novela que tem histórias fortes no hospital (estão sempre a acontecer coisas) e é uma história de amor (entre o Alfonso e a Mónica). São dois jovens atores lindíssimos [Vítor Silva Costa e Filipa Maia], que contam uma história cheia de drama, mas contam aquilo com uma garra enorme.

E tu, tens recebido boas críticas?

Sim, muitas boas críticas. É uma personagem forte, certo? Mas são críticas que eu oiço e sei que não tem só a ver com a minha performance como atriz, tem a ver com a história que eu estou a contar. Está bem estruturada, por isso é fácil contá-la bem.

A TVI não está nada satisfeita com os resultados da novela. Vocês, atores, sentem esta «nuvem negra»?

[risos] «Nuvem negra» é uma expressão ótima!

Mas não sentes pressão?

Não, nada. Quer dizer, a minha personagem tem uma história muito importante, mas eu gravo mais ou menos dois ou três dias por semana. Não «carrego» a novela às costas. E eu acho que isso também não nos cabe a nós, não é a nossa preocupação. A nós cabe-nos preparar bem o nosso papel. E pronto, depois é as estratégias de agarrar o público. Claro que eu gosto que o público veja o que eu faço, mas basta-me o público que vê. Não preciso de muito ou pouco. Quantas mais melhor, claro, mas eu faço na mesma, com o mesmo empenho.

As audiências estão aquém das expetativas…

Nós precisamos lentamente de percorrer um caminho de melhoria. E acho que devemos continuar a percorrê-lo, para ficarmos cada vez melhores.

Não ficas preocupada por este projeto não estar a conquistar os resultados estabelecidos pelo canal?

Não. Eu acho que faz sentido analisar «porquê», mas esse trabalho está a ser feito. O meu objetivo não é esse, mas o objetivo de quem produz é que o máximo de pessoas veja. Estas pessoas que trabalham em televisão há muito tempo têm com certeza todos os instrumentos para perceber porquê e o que é que hão-de fazer para melhorar.

Facto: Jardins Proibidos vence o seu direto adversário (Império). Facto: a sequela desta novela não entusiasma. Daí, a revolução que está a ser operada, atingindo atores e o próprio autor.

Houve uma análise, não é? Eu fiz uma série durante quatro anos (Conta-me Como Foi) e os escritores mudaram, atores foram-se embora e outros vieram. Todas as mudanças que existam (num projeto longo) em princípio serão boas, ou trazem qualquer coisa que pretende melhorar o produto final. Até é mais interessante que não seja um objeto fechado, porque para nós isso quer dizer que vai haver mudanças. Mudanças na história, para nós é interessante (vamos trabalhando em direções diferentes).

A TVI fez desaparecer metade dos núcleos existentes. É triste ver colegas a abandonarem o projeto?

Não sei, é uma coisa natural… Não acho que seja uma coisa triste. É uma característica das novelas. Um ator quando entra num projeto de ficção, aceita que a sua personagem pode acabar a qualquer momento. E desde que isso esteja justificado na história, tu sabes sempre porque é que aquilo aconteceu.

Na novela Anjo Meu da TVI, a tua personagem teve uma saída prematura.

Sim, a minha personagem saiu antes de a novela terminar, porque passou-se, ficou maluca e virou freira. E eu não fiquei triste por me ir embora, porque o que fazia sentido era contar a minha história com um princípio, meio e fim. Isso é uma característica inerente à nossa profissão; é a mais frágil e a mais precária do mundo.

O que é que consideras atípico na tua profissão?

O que não é normal é tu teres um contrato. A raridade é teres uma coisa garantida na profissão do ator, isso é que é especial e raro. Nós somos artistas de circo! A vida de um ator é trabalhar em quantos mais sítios tu puderes, o mais diversificado possível. O raro é quando alguém faz parte da «bancada», quando alguém está ali e tem sempre trabalho e não faz cinema e não faz teatro.

Achas que a Raquel pode ser considerada um divisor de águas para a tua carreira? Acreditas que outras personagens mais mulherão podem surgir?

Isso pode ter a ver com a idade. Acredito que sim, mas também tem a ver com o crescer.

Qual é o teu grande sonho enquanto atriz?

Muito trabalho [risos]! Ter muito trabalho em muitos sítios diferentes. Eu estou muito feliz, porque tenho tido muito trabalho. Vou agora para Itália fazer teatro numa digressão num espetáculo. E gostava muito de fazer cinema (cá ou em Itália, quem sabe). Vou trabalhar para isso.

O espetáculo Furia Avicola, de Rafael Spregelburd, que fizeste em Itália, está nomeado para os prémios UBU, para melhor espetáculo estrangeiro. O quão emocionante foi receber esta notícia?

É altamente surpreendente. Eu só fiz este espetáculo porque tive um ano menos bom, cá em Portugal. Foi um ano que tive muito pouco trabalho e então apostei em Itália e trabalhei com amigos. É muito engraçado pensar que um ano mau pode trazer coisas ótimas. E então, a sensação que eu tive quando recebi a notícia do prémio foi que às vezes há males que vêm por bem, de uma dificuldade tu tiras uma vantagem incrível. O importante é tu não parares e não deixares de acreditar. Eu sinto-me uma sortuda, mesmo!

De que se trata este espetáculo?

É muito difícil de explicar, porque é um universo muito particulhar. Basicamente, é um olhar sobre a arte, sobre o fim da arte e um olhar sobre os cânones europeus antigos. É um espetáculo um bocadinho nonsense, mas que brinca com a maneira como a Europa se leva tanto a sério. No fundo é uma grande brincadeira [risos].

Estreia hoje [4 de dezembro] o filme Os Pinguins de Madagáscar. Tu dás voz à Eva, uma espiã russa. Foi uma experiência divertida?

Foi espetacular, mas dificílimo! Eu nunca pensei que fosse tão difícil fazer a pronúncia russa, porque tu dizes as coisas a brincar às vezes (e eu gosto muito de brincar com a voz, por isso acho sempre que consigo). Mas de repente, quando tens um texto e tens que trabalhar o texto com uma pronúncia que tu não dominas muito bem, é super difícil. Tive a ajuda da Cláudia Cadima, que é quem dirige os atores nas dobragens. É um filme muito divertido.

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