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A Entrevista – Quintino Aires (Parte 2)

A Televisão
6 min leitura

Destaque1_Quintino Aires

Leia a primeira parte desta entrevista.

Durante os anos em que vivemos na selva, também as crianças eram sujeitas a cenas deprimentes: viam caçar, viam outras pessoas morrer… Se nessa altura viviam normalmente, porque é que hoje há uma proteção tão intensa ao ponto de não podermos ver uma cena de ficção?

(Risos) Porque temos esta noção de que temos que os manter sem perceberem a vida se não vão ficar traumatizadinhos.

Não traumatiza?

Não! Já viu alguém traumatizado por causa da história do Capuchinho Vermelho, ou da desgraçada da Bela Adormecida em que vem a madrasta que a mandou comer uma maçã que estava envenenada? Ninguém ficou traumatizado…

Mas talvez porque nesses casos as histórias sejam mascaradas…

Eu não acredito que seja por causa disso… Eu acho que as coisas estão tão mascaradas num sítio como no outro. Eu acredito que a razão não é pelo facto de as pessoas acharem que a telenovela tem de ser vista com um acompanhante até aos 12 anos, mas sim porque as pessoas ouviram dizer isso, nem refletiram e agora reproduzem.

Mas o que é certo é que essa classificação surge no canto superior direito do ecrã sempre que se inicia um novo episódio de uma novela.

Sim. Para as pessoas estarem calmas como aquela frase famosa: «O povo está sereno». Assim fica tudo calmo e ninguém se apoquenta.

Acha que as nossas crianças são protegidas de mais?

Não. São muito desprotegidas. Porque como os pais as levam e vão buscar à escola, elas não podem, com as outras crianças, explorar o que era suposto explorar, como por exemplo o sexo. Quando a seguir os trazem à consulta, como eles estavam demasiado fechados, acabaram por ir para a internet ver pornografia sadomasoquista. Se eles tivessem tido a oportunidade de fazer o caminho até à escola a contarem coisas uns aos outros e, se calhar a experimentar algumas coisas, não tinham necessidade de ir para a internet ver pornografia. Estão mais desprotegidas no sentido de… Sim, estão muito vigiadas, mas pouco protegidas porque a ideia de proteção era também dar-lhes defesas.

Já se manifestou várias vezes acerca do tempo que os jovens utilizam a jogar videojogos. A televisão também pode ser um vício. Qual o pior?

As duas. Nas consultas com pessoas até aos 18 anos, os pais entram e faço sempre a pergunta de se a criança passa muito tempo a ver televisão ou a jogar videojogos. Não é o videojogo que faz mal. O videojogo rouba tempo que podia ser utilizado a brincar, a interagir, a discutir, a puxar o cabelo dos outros… Nós precisamos disso para experimentar certas emoções que nos fazem desenvolver. Há pouco tempo, no Você na TV, levámos uma manta com uns objetos que, supostamente, as pessoas conseguiam imaginar como brinquedos, para brincar com pessoas na rua e ninguém foi capaz de brincar. A maioria dos miúdos hoje vai de manhã para a escola e tem aulas à tarde. E depois, se tiver azar, ainda vai para um centro de estudos. Assim, o brincar acaba por não ser possível. É essa a minha questão com os videojogos.

Embora possam ser ambos prejudiciais, é mais benéfico assistir a 1 hora de televisão ou estar 1 hora em frente a um videojogo?

Depende do que se está a ver na televisão. Se estiver a ver um desenho animado em que um arranca a cabeça ao outro, se está a ver a Casa dos Segredos ou uma telenovela, é útil. Agora, há coisas, na televisão, que não têm nada a ver com a natureza humana.

Em televisão, o que é que não é aconselhável que uma criança veja? Os conteúdos pornográficos, por exemplo?

Não. Não faz mal nenhum. Eles vêm na mesma.

O Voyeurismo e a curiusidade são características naturais do ser humano?

Fundamentais. Se não não haveria personalidade.

Então porque é que se critica tanto?

(Risos) É daquelas coisas que nós fazemos sem saber muito bem porquê. Nós fazemos muitas coisas que, se reparássemos bem, perceberíamos que não fazem sentido nenhum. São os chamados sincretismos. Eu posso ir à missa, bater no peito e, ainda sem terminar, já estar a olhar para a outra… É a tal consciência de pensar nas coisas para não cair no erro de ir reproduzindo aquilo que ouvi sem perceber se isso faz sentido ou não. Veja que, num país como o nosso, onde 80%  das pessoas são católicas mas que vão às bruxas.

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