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A Entrevista – Filipa Vacondeus

A Televisão
18 min leitura

Destaque Filipavacondeus A Entrevista - Filipa Vacondeus

A eterna cozinheira low cost da gastronomia tradicional portuguesa está de volta à televisão. Primeiro no Natal e depois em 2014, com um programa próprio no 24 Kitchen. À Boleia da Filipa foi ideia da veterana que, num gesto empreendedor, fez a proposta ao canal. «Foi realmente uma ideia minha. Estamos muito contentes com o sucesso que o programa tem tido», revelou Filipa Vacondeus ao aTV.

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O nome «Filipa Vacondeus» não passa despercebido à grande maioria dos portugueses. Sente-se uma lenda viva da culinária?

Não. O meu nome, enfim, está ligado à culinária há muitos anos e, portanto, é natural… As pessoas já me vêem há muitos anos, sempre a tentar ajudá-las, sempre a tentar ensiná-las a cozinhar fácil e barato. E isso é o que eu penso que faz com que as pessoas ainda me queiram e gostem de mim, porque não há dúvida nenhuma que já há muitos anos que eu ando nisto.

Como é que a cozinha surge na sua vida?

A cozinha surge na minha vida porque normalmente a necessidade aguça o engenho, como se costuma dizer. E embora eu tivesse toda a vida gostado muito de cozinha, porque gostei sempre muito de cozinhar – ou de chegar a casa e ir espreitar, e provar, e fazer isso tudo –, a certa altura foi necessário… Tive um restaurante de luxo, que foi realmente uma grande escola para mim. E depois, com a vinda do 25 de abril, eu perdi (perdemos) várias coisas. Perdi o restaurante, a minha família perdeu coisas em África… E tive que dar mão àquilo que eu achei que podia fazer, e que tem dado resultado há 34 anos: dar receitas, apresentar programas, escrever para revistas, fazer livros…

A sua cozinha é original e irreverente?

Não, não. A minha cozinha é a cozinha tradicional portuguesa. É a cozinha das avós. Eu sou uma velha de 81 anos, portanto, que continuo como se tivesse 40 ou 50 a trabalhar na mesma, mas que tento que não se esqueça o que é que é a nossa cozinha (que é uma cozinha saudável e mediterrânica, é uma cozinha que qualquer pessoa pode fazer, que é muito económica, que tem normalmente sobras para o dia seguinte ou para outros dias). E, portanto, é uma cozinha que se está a perder com esta nova cozinha que agora está em voga, e que eu acho que as novas gerações não devem perder, porque isso faz parte do nosso património e esse património não se deve perder. Portanto, ao longo dos anos, eu tenho feito aquilo que qualquer dona de casa faz na sua casa para economizar, para dar uma boa alimentação, para ser bonita aos olhos, para ser bom ao paladar… É isso que eu tenho tentado ensinar a vida toda, e continuo.

Por falar em património… A gastronomia portuguesa é um património nacional, mas acha possível o país trabalhar melhor na sua preservação?

Eu acho que já se começa a fazer isso. Embora hoje esteja na moda a nova cozinha, não há dúvida nenhuma que, assim em flashes, também aparecem pessoas que vão buscar as nossas receitinhas. E sobretudo na província, por Portugal fora, come-se ainda a nossa boa comida tradicional portuguesa, que é uma comida realmente que com qualquer coisa nós conseguimos pôr na mesa um prato que satisfaça o estômago e o coração (um prato quentinho, bem cheiroso, bem saboroso, que possa dar para uma família). E é isso que eu quero deixar, é o legado que eu quero deixar dos muitos anos de trabalho que tenho tido e que, portanto, tenho muitos conhecimentos nesse sentido, não é?

Como é que se cria uma receita? Perde muito tempo a fazer experiências, a pensar em ingredientes?

Ao fim destes anos todos, as receitas nascem-me em cima do fogão, chamemos-lhe assim. Quantas vezes eu vou fazer uma coisa, e de repente ponho mais isto, tiro mais aquilo. A ideia será a mesma, mas sai outra coisa, percebe? Sai muito da minha cabeça. Eu funciono como funcionavam as pessoas da minha época, que era muito pela pitada disto, ou pela pitada daquilo, ou uma mão cheia «de». Não é tanto como agora, que se vai ao pormenor da colher de café, da colher de chá… Pronto, eu também sei o que é, e quanto tenho que dar uma receita, tenho que dar uma receita assim, porque senão as pessoas não vão perceber muito bem (isto quando escrevo um livro ou quando me pedem uma receita). Mas a verdade é que os pratos nascem-me normalmente à boca do fogão.

Alguma vez pensou que iria ter livros, programas de culinária e que iria se tornar numa espécie de guru da cozinha portuguesa?

Não, isso não. Eu quando fui para a televisão expliquei que fui sem certezas nenhumas de que era capaz de levar «o livro ao Garcia», mas disse sempre a mesma coisa: se me deixarem ser como eu sou, eu então sou capaz de desbobinar tudo o que sei, tudo o que não sei. Eu sou uma pessoa muito simples, que gosta de funcionar de uma forma sempre agradável, que possa ir de encontro às pessoas. E não sou nada, nada convencida de mim mesma. Não tenho pretenções nenhumas senão que tenho bom paladar, sei muita coisa porque há muitos anos que eu mexo no tacho, e mexo na colher de pau. E, portanto, isso é o que eu gosto de ensinar.

Guarda boas recordações da televisão?

Guardo ótimas recordações da televisão. Eu fui sempre o mais bem tratada que é possível, fui sempre o mais acarinhada que é possível. As pessoas ainda hoje, de três gerações já, animam-me, dão-me força, dão-me estímulo, dão-me coragem e «Ai que saudades, precisamos de si». Isso faz com que eu não esmureça e que continue, porque é o meu público, no fundo, que me incentiva a continuar.

Fica aborrecida quando não há convites, ou propostas para a televisão? É muito frustrante?

Eu não posso dizer que não há convites, porque eu tenho estado quase permanentemente em televisão. E quando não estava em televisão, estava a fazer livros, a escrever para revistas, a fazer fotografias para revistas… Sempre ligada a isto da cozinha. Por exemplo, só numa temporada, no Porto, em Vila Nova de Gaia, eu tive onze anos seguidos. Tive antes agora de começar no 24 Kitchen, tive três anos cá em Lisboa no Portugal no Coração. Tinha estado antes, para aí dois anos, na Praça da Alegria. Eu até me pergunto como é que as pessoas já não estão fartas desta careta há tantos anos. Ou de uma maneira ou de outra, eu estou sempre em televisão.

Para si, parar é morrer? O que é que faz para não parar?

Sim, para mim parar é morrer. Isso na minha idade, aconselho todas as pessoas a não parar. Não se deve parar nesta altura, e digo-lhe mais: quando acabar este programa, eu quero é outro. Enquanto eu puder e tiver forças para me mexer, eu devo dizer que aquilo que quero, ou que gostaria, é que não parassem de me chamar. Não sei estar parada, não consigo. É uma coisa que é mais forte do que eu, tenho de fazer qualquer coisa (mas qualquer coisa que eu goste).

5 A Entrevista - Filipa Vacondeus

Como surgiu o programa do 24 Kitchen À Boleia da Filipa? Foi uma ideia sua?

Foi realmente uma ideia minha. Eu gostava do canal. Achava divertido ver a minha homónima Filipa, gosto muito do James Oliver e de alguns dos chefes de cozinha deles, e vejo muito porque é uma coisa que me interessa e que vou aprendendo. Eu quero aprender até morrer. Não sou nada convencida de que sei tudo. Todos os dias se aprende qualquer coisa. E fui lá falar com eles, perguntar qual seria a hipótese de eu fazer uma «brincadeira» com eles. E dessa conversa nasceu este programa.

O programa está a ser aquilo que a Filipa esperava?

Está, está. Está até a superar as expectativas, eu acho. Todos nós estamos contentes, tanto eles como nós (apresentadoras do programa). Estamos contentes com o sucesso que o programa tem tido. Já estamos um bocadinho fartos dos programas em que está uma pessoa em frente de uma bancada a fazer coisas (só faz coisas, não diz nada!). E isto não. Passeia-se por Lisboa (ou pelo sítio onde formos); temos contacto com o público; temos a coragem de dar a comer as coisas que nós fazemos e as pessoas verem se está bom ou se está mau; se gostam, se não gostam… É uma conceção completamente diferente daquilo que tem sido até aqui – os programas de televisão, até daqueles que eu tenho feito. E, portanto, para nós (apresentadoras) é um estímulo e eu acho que os espectadores estão a gostar, porque é uma coisa diferente.

O que me diz acerca da sua colega, a Filipa Gomes? Como tem corrida esta reunião de Filipas?

Ai, lindamente, lindamente. Parece que nos conhecemos toda a vida, parece que é uma neta minha e que toda a vida trabalhei com ela. Tem sido fantástico. Há uma diferença de 51 anos, que não é brincadeira, e parece que estamos as duas ali com a mesma idade – ela respeitando as minhas ideias e a maneira como eu funciono, e eu respeitando a maneira como ela funciona. Trabalhamos muito docemente a quatro mãos e damo-nos lindamente.

Sente-se muito acarinhada pelo povo português? O que é que as pessoas lhe dizem?

Ai, adoram-me. Realmente até tenho vergonha de dizer… Adoram-me, vêm ter comigo, dão-me beijinhos, pedem para eu fazer coisas e para aparecer, e para ensiná-las. É engraçado a forma como me tratam. Qualquer pessoa que me aborde na rua, que me dê um beijo, eu dou toda contente, porque acho que é um amor. Eu entro em casa delas sem pedir licença, portanto, reconheço nisso um carinho enorme que as pessoas têm por mim. É muito agradável. Ao contrário do que muitas pessoas dizem «Ai, que chatice. Deus me livre, não posso ir a parte nenhuma», eu digo exatamente o contrário, digo «Que delícia que é», porque as pessoas dão-me carinho. E eu tenho que agradecer do fundo do meu coração.

Qual a sua opinião sobre programas recentes como Chefs’ AcademyIngrediente Secreto (RTP1) ou MasterChef (TVI)?

Eu acompanho todos. O MasterChef é um programa que eu gostei imenso. Vi primeiro o da Austrália, depois dos Estados Unidos. E agora este, enfim, é bom também. Nós não temos tanta capacidade (nem financeira, nem nada) para fazer igual aos outros, mas de qualquer maneira tem sido muito bom. O programa tem sido em sítios muito giros. Há coisas que eu posso concordar mais ou menos, mas isso é uma opinião pessoal, ou um gosto pessoal. Isso não interessa a ninguém. Pode interessar a mim própria, mais nada. E os outros programas, eu achei muita piada ao dos miúdos [Chefs’ Academy Kids]. Eu acho que isto é muito bom, porque ensina mesmo. Ensina, eles aprendem. E cozinheiros faz sempre falta.

Nunca como agora os chefes de cozinha obtiveram tanto protagonismo. Pois bem, o que pensa sobre isso, uma das mais mediáticas personalidades televisivas relacionada com as coisas da cozinha?

Acho que há chefes e chefes. Eu tenho o maior respeito, e tiro o chapéu a alguns (vários) chefes nossos. Também tiro a estrangeiros, mas eu quero falar dos nacionais. E dos nossos há bons, muito bons. E depois há todos aqueles que acham que são já chefes e que têm muitos conhecimentos para fazerem receitas de autor, mas ainda têm muito que chinelar para chegar onde devem chegar. Agora, há que respeitar (e respeitar muito) os nossos chefes, que são chefes bons em qualquer parte do mundo.

Acha que os portugueses reproduzem as receitas das avós mais pelo paladar ou pela história emocional que elas carregam?

Eu não posso dizer isso hoje em dia. Antigamente era pelo paladar. No meu tempo era pelo paladar. Mas é preciso ver que eu tenho um historial que a maior parte desta mocidade não teve, nem tem. Eu nasci ainda no tempo da Grande Guerra. O que é que aconteceu? Aconteceu que eu vivi os primeiros anos da minha vida (até aos 14) com senhas de racionamento, portanto, com muita contenção, e em qualquer casa – porque não era ser pobre ou ser rica, era consoante o número de pessoas que uma família tinha, tinha direito a x azeite, a x açúcar, a x disto, a x daquilo. E tinha que se ir para as bichas com senhas de racionamento. Portanto, isso deu-me uma forma de ver toda esta parte de culinária com muita parcimônia, com muito cuidado. Hoje em dia, pronto, é capaz de se fazer vida para a televisão, fazer pratos com trufas e com não sei quê, que custam aquilo que praticamente 90% dos portugueses não têm para pagar. Eu acho muito bem que isso se faça, porque os 10% que têm para pagar também têm direito, não é? Agora, o que é um facto é que hoje tem se que ter muito cuidado com aquilo que se apresenta – com lagostins, com lagostas… Porque há todo um preço que a maior parte das pessoas não chega lá. E depois é criada água na boca e desgosto no coração, como eu chamo.

Qual o seu maior medo?

Eu não tenho medo de nada. Quero lá saber… Eu enfrento sempre as coisas de frente. Tenho um ar manso, mas sou toiro e enfrento a vida de peito aberto, e sem medos.

A verdade é que ao fim destes anos todos ainda se mantém ativa e jovial. Qual é o seu segredo? Onde é que vai buscar forças e energias?

Não sei, não sei… Eu não tenho segredo nenhum. Eu sou exatamente aquilo que sou. Eu gosto que as pessoas vejam em mim aquilo que eu sou. Não lhe sei explicar como é que sou, porque ninguém sabe explicar exatamente como é que é, mas eu sou aquilo que as pessoas vêem. Não sou diferente. Portanto, tanto faz estar no ecrã da televisão, como estar consigo aqui a dar uma entrevista, como estar sentada na minha sala, como estar numa roda de amigos. Eu sou sempre igual, e isso tem graça, porque é o que as pessoas que me passam a conhecer dizem: «Ai, mas você é igual àquilo que é na televisão…». Pois sou, eu sou igual. Sou assim. Não sei é explicar o que é que sou.

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