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A Entrevista – Marta Faial | Emmy Internacional

A Televisão
21 min leitura

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Marta Faial começou a sua carreira como modelo fotográfico e foi com o seu papel na terceira temporada de Morangos com Açúcar que ingressou no mundo da representação. Apaixonada pela profissão de atriz, considera fundamental a aposta na formação e por isso não se arrepende do período passado fora do país, onde se dedicou aos estudos. Apesar dos altos e baixos desta área, Marta não baixa as armas e luta diariamente por um lugar ao sol. «Quando me encontro em fases mais instáveis profissionalmente tento sempre não ficar quieta», confessou ao aTV.

Interpretaste a grande vilã da novela Jikulumessu. O que retiras desta experiência?

Foi um personagem muito forte, que exigiu muito de mim e que me fez arriscar e quebrar barreiras na minha forma de trabalhar. Trabalhei muito para que houvesse uma grande distância entre aquilo que sou e o personagem, para que não fosse reconhecível a Marta naquela persona. Procurei fazê-lo através dos excelentes guiões que recebia, através do teste de imagem criado pelo guarda-roupa e caracterização e através de mudanças na minha fisicalidade e maneirismos, como a forma de andar ou de falar. Foi um privilégio receber esta oportunidade e dar vida a um personagem tão rico e marcante. Retiro desta experiência uma das melhores fases da minha vida em que me senti muito realizada profissional e pessoalmente.

Onde é que foste buscar tanta ruindade para encarnar a Bianca?

Tive a sorte de receber em mãos um personagem que já era muito rico na escrita. A partir daí procurei encontrar alguns registos de mulheres e personagens já existentes que tivessem pequenos apontamentos de maldade, frieza, humor, sensualidade. Com o decorrer dos ensaios e com a interação com os meus colegas, a Bianca foi surgindo e ganhando terreno.

Estreada a 26 de maio na RTP1, a novela foi subitamente retirada do ar, mas mais tarde voltou à grelha…

Como é óbvio, o canal tem todo o direito de escolher os seus conteúdos e de perceber se eles funcionam na sua grelha. Nem todas as pessoas se identificam com Angola ou África ou com formatos a que não estão habituadas. Acho que não foi a melhor forma de agir com os telespetadores por parte do canal que, mesmo sendo poucos – cerca de 100 mil na altura –, tinham os seus direitos especialmente por este ser um canal público que se rege por regras diferentes de outros canais.

Jikulumessu está agora nomeada para o Emmy de Melhor Telenovela. Mulheres (Portugal), Império (Brasil) e Ciega a Citas (Espanha) também estão na corrida. A concorrência é forte?

Não tenho dúvida que a concorrência é forte. Infelizmente por me ter encontrado fora do país a gravar Jikulumessu não consegui acompanhar os nomeados. Mas o Brasil/Globo já nos habituou à qualidade e encanto das suas novelas. Portugal já há alguns anos que está a par e par com a Globo, e Espanha sempre me remete a grandes produções e séries de grande qualidade. Quanto a Angola, é um bebé na área audiovisual, mas é um bebé que nasceu muito forte e com muito desejo de evoluir e é isso que tem sido feito de projeto para projeto, por isso vamos ver… Acho que todos os nomeados estão de parabéns e só posso desejar boa sorte para todos.

Quais são as tuas expetativas?

Como não acompanhei os outros projetos nomeados, as minhas expetativas apenas contam com o que sei de Jikulumessu. Não sei se iremos ganhar, mas o facto de estarmos nomeados faz deste projeto tão vencedor e digno de ganhar quanto os outros. Se conquistássemos a vitória seria um grande orgulho para todas as pessoas que fizeram parte da família Jikulumessu. Para muitos este projeto foi a oportunidade de uma vida. Oportunidade de formação, quer de técnicos quer de atores, oportunidade de provocar e promover a conversa e discussão de assuntos tabu na sociedade Angolana que estavam por falar, oportunidade de fazer algo com meios técnicos até então inexistentes em Angola, oportunidade de experimentar novos registos de realização, oportunidade de ter tempo para que as cenas ficassem como se idealizava, sem a correria e pressão que é habitual num projeto deste género. No fundo seria o reconhecimento do trabalho de muitas e muitas pessoas que deram o melhor de si, para fazer de Jikulumessu o que é hoje.

Isto de estar nomeada para prémios não é propriamente novidade para ti. Foste distinguida como Melhor Atriz nos Prémios Moda Luanda 2015.

É sempre uma novidade e é sempre um privilégio ver o nosso trabalho , aquilo que mais gostamos de fazer e a que nos dedicamos, ser reconhecido. Foi um ano de trabalho que muito me ensinou e me fez crescer. Foi um ano de realização pessoal e profissional, em especial por ter sido em Angola onde tenho muitas raízes. Só tenho a agradecer a oportunidade que me foi dada e a confiança que foi depositada em mim e no meu trabalho pelos responsáveis deste projeto.

Quando recebeste o prémio de Melhor Atriz, disseste: «Obrigado por acreditarem em mim, mesmo quando eu, por vezes, duvidei». Porque é que te surgiram essas dúvidas?

Esta profissão tem muitos altos e baixos, e nos tempos em que estive mais livre  procurei sempre fazer formações, curtas-metragens, teatro, workshops, de forma a não estagnar e estar sempre apta para pegar num novo trabalho. Mas quando nos propõem um desafio como este último, um personagem tão forte, é inevitável questionarmo-nos se seremos ou não capazes. Acho que todos os atores passam por isso e a cada trabalho nos questionamos de novo se conseguimos dar vida aquele texto e personagem de uma forma verdadeira. Faz parte do ator ter dúvidas e inseguranças.  Mas ter essas inseguranças não significa que não estejamos aptos para nos atirarmos de cabeça ao desafio, significa só que queremos dar o nosso melhor. As dúvidas surgem mas a vontade de as ultrapassar ainda é maior! E a meu ver ultrapassar esses receios e inseguranças é o que nos faz evoluir.

Como lidas com a possibilidade de não teres trabalho no mês que vem?

Quando me encontro em fases mais instáveis profissionalmente tento sempre não ficar quieta. Quero continuar a fazer o que mais gosto, seja num workshop, numa curta metragem, num anúncio, num videoclipe. O importante é não parar muito tempo e não deixar que a nossa cabeça e algumas dificuldades que possam surgir  no nosso percurso nos façam desistir do sonho que temos. Existe também a componente financeira… sendo esta uma profissão tão instável tenho sempre a consciência e o cuidado de me precaver. Sei que quando estou a trabalhar tenho de gerir o dinheiro que ganho para o ano em que estou a fazer o projeto e os anos seguintes. Aprendi desde cedo a gerir este outro lado da carreira.

Qual o motivo de não te vermos em produções portuguesas? Falta de oportunidades?

Suponho que o facto de estar mais ou menos desde 2012 entre Angola e Portugal não ajude. Neste espaço de tempo acabei por estar um pouco desligada do meio artístico aqui em Portugal. Mas quero muito retomar o meu percurso aqui e conciliá-lo com o percurso que fiz em Angola.

Ter sucesso em Angola e menos reconhecimento em Portugal deixa-te triste?

Não. É óbvio que também gostaria de ter reconhecimento no país onde nasci e espero um dia ter essa oportunidade, mas para mim o importante é gostarem do meu trabalho seja onde for. Identificarem-se com ele, viverem os personagens que faço. Isso felizmente tem acontecido com a distribuição para o estrangeiro de novelas como Windeck, que chegou a ter uma audiência média de três milhões no Brasil, ou no Congo Democrático, Moçambique, São Tomé, Cabo Verde, Portugal, França ou África do Sul, ou como  com Morangos com Açúcar em Angola, Moçambique, Dubai, ou com Jikulumessu aqui em Portugal. O importante para mim é o meu trabalho chegar aos telespetadores e ser bem recebido.

Mas sentes que o teu talento é valorizado em Portugal?

Não me sinto no lugar de avaliar se tenho ou não. Sei que tenho muito para aprender ainda e para crescer e sei também que representar é o que mais gosto de fazer. Mas sinto, sem dúvida alguma, carinho e interesse na minha evolução enquanto atriz pelo público que segue ou seguiu os projetos que fiz. Aí sinto-me bastante valorizada.

És mais abordada pelas pessoas em Angola ou em Portugal?

Neste momento talvez seja mais em Angola. Ou em Portugal, por brasileiros que seguiam Windeck. Mas também costumo ser abordada por muitos fãs de outros cantos do mundo aqui em Portugal. É sempre um privilégio ver que o nosso trabalho tem algum impacto no dia a dia das pessoas. Fico muito feliz por virem falar comigo com carinho, interesse e admiração pelo que faço. E ainda mais feliz fico quando fazem questão de saber o meu nome e apelido.

Já estudaste representação em Nova Iorque. Que vivências trouxeste de lá?

Após participar na novela Rebelde Way [SIC], senti a necessidade de conhecer e estudar novos métodos de representação. E Nova Iorque era e é um sítio que sempre me fascinou. Já tinha frequentado escolas e workshops em Portugal, que gostei bastante, mas foi na escola onde estudei nos Estados Unidos, a William Esper Studio, que encontrei o método que mais se adequava às minhas necessidades enquanto atriz. Posso dizer que cresci muito, aprendi ainda mais e isso mudou a minha forma de trabalhar. Foi sem dúvida uma fase que me marcou muito pela positiva, quer profissionalmente quer pessoalmente. É uma cidade que até hoje eu adoro e em que fui muito feliz, quer a estudar quer como convidada para a Gala dos International Emmys Awards de 2013, a propósito da nomeação da novela Windeck. E lá estarei novamente por causa da nomeação pela novela Jikulumessu.

Achas que os portugueses ainda pensam que os atores que vingam «lá fora» é que são bons?

Não sei. Eu não partilho dessa opinião, mas sou suspeita. Mais uma vez digo que somos um país cheio de vontade, profissionalismo e talento em variadíssimas áreas, que muitas vezes por falta de oportunidade acaba por ser forçado a empurrar os seus para outro canto do mundo. Temos tendência a não dar valor ao que é nosso quando está cá, e sim quando se é reconhecido e se singra noutro país. Aí subitamente é-se valorizado Portugal. Talvez isso, dê a ilusão de que quem vem de fora é melhor…

Em 2012 integraste o elenco de Windeck – O Preço da Ambição, que atingiu bons resultados na RTP. Consideras que esta produção marcou uma viragem na ficção angolana?

Sem dúvida! Até então nada próximo de Windeck tinha sido feito em Angola. Já tinha havido algumas novelas e séries, mas nada com a qualidade, meios e temáticas que Windeck abordava. Temáticas estas, ainda um pouco tabus na sociedade Angolana, como a homossexualidade, violência doméstica, álcool na estrada, entre muitas outras. Foi um projeto com uma logística muito complicada, pois os estúdios eram em Portugal e os exteriores em Luanda e outras províncias, mas acho que foi um bom teste para este novo início da ficção Angolana.

E em Portugal, também se sentiu esse ponto de viragem?

Sim, acho que também surpreendeu Portugal na altura, especialmente a quem de alguma forma tinha estado ou era ligado a África ou Angola. Foi um redescobrir do país e de uma nova sociedade em crescimento, foi um matar de saudades a muita gente que nunca mais teve oportunidade de regressar.

O que é que a televisão portuguesa ganha em receber os formatos da comunidade angolana?

Na minha opinião a televisão portuguesa ganha em receber formatos de todo o mundo. Somos um país com tantas etnias e influências estrangeiras. Desde que me lembro de existir que vejo formatos dos Estados Unidos ou de  Inglaterra na TV, e ao contrário de outros países, nós nunca os traduzimos para a nossa língua. Então porque parece tão estranho nos identificarmos tanto com países e gentes, que fizeram e fazem parte da nossa história, da história de Portugal?

Começaste em Morangos com Açúcar, participaste em Rebelde Way, fizeste musicais, publicidade e moda. Orgulhosa do teu percurso?

Sinto orgulho de, passado uma década, mesmo com altos e baixos o meu sonho ainda estar de pé. Infelizmente já vi muitos colegas desistirem por não terem outra opção e só me posso sentir grata por até hoje estar onde estou e conseguir fazer o que mais gosto como profissão. Nunca tive nenhum problema em, depois de já ter feito novelas, ir trabalhar para um restaurante ou um bar para juntar dinheiro para um curso, como fiz quando fui estudar para Nova Iorque. Não tenho qualquer pudor em lutar pelo que quero, mesmo tendo de voltar à estaca zero. E isso não é fácil para ninguém. Mas como se costuma dizer: «Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura». Não uso esta expressão no dia a dia, mas é uma boa descrição do que sinto em relação ao meu percurso.

Os Morangos impulsionaram tudo o que veio a seguir?

Os Morangos foram o começo de tudo para mim, mesmo já tendo um certo fascínio pelas artes, pelos bastidores e por TV e cinema. A verdade é que pouco ou nada sabia do que era representar nessa altura. Os Morangos serviram de formação e de catapulta para um novo mundo. Um mundo em que cada um tentava fazer o melhor que sabia e podia e onde se criaram grandes amizades e de onde saíram grandes atores.

Achas que faz falta uma série juvenil na TV portuguesa?

Tenho estado um pouco fora do contexto televisivo português, mas acho que é um formato que vai sempre funcionar. Continua a haver público, tanto que as repetições das novelas juvenis em vários canais continuam a ter boas audiências e bastantes seguidores. Tem-me acontecido, e suponho que aos meus colegas também, uma coisa curiosa: dez anos depois da nossa participação na série Morangos com Açúcar, existe uma nova geração de fãs dos personagens, e isso só pode querer dizer que mesmo com uma década em cima os jovens identificam-se com o conceito e formato da série.

Fora da representação fizeste de tudo um pouco: distribuíste panfletos na rua, trabalhaste num bengaleiro, serviste às mesas, foste barmais. Sempre foste muito independente?

Sim, tinha cerca de 16 anos quando comecei a trabalhar. Inscrevi-me em várias agências nas férias de verão e comecei a fazer publicidade, distribuição de panfletos e mais tarde trabalhei em restauração. Eu não queria subcarregar os meus pais financeiramente. Achei que já tinha idade para lutar pelo que queria. Não por roupas, telemóveis ou computadores de última geração… Eu só queria viajar. Um dia decidi que queria ir para Andorra com os meus amigos através da escola e percebi que para isso acontecer eu tinha de trabalhar, e assim o fiz. Trabalhei e a muito custo consegui pagar a minha primeira viagem. Quando consegui o valor total avisei aos meus pais que ia, mesmo sem ter falado com eles antes. Podiam ter levado muito a mal, mas como viram o meu esforço, empenho e dedicação, deixaram que fosse. A partir daí percebi que tinha ganho a confiança deles e que tinha toda a autonomia para trabalhar desde que não prejudicasse os meus estudos. Aí começou a minha independência e responsabilidade que com ela vinha. Comecei muito cedo a gerir o que ganhava. Quando dei por mim tinha 19 e já não morava com os meus pais. Aos 24 já estava de malas feitas para os Estados Unidos.

Enquanto atriz, quais são as tuas maiores ambições?

Um dos meus maiores sonhos é, sem dúvida, fazer cinema. Já fiz algumas participações, mas coisas pequenas e esse é o um dos meus grandes focos. Quanto a personagens, há tanta tanta coisa que gostaria de fazer, tantos personagens a quem gostaria de dar vida. Não saberia por onde começar…

Tens um sorriso muito genuíno e característico. Será esse sorriso o espelho da tua alma?

Acho que os meu olhos são mais o espelho da minha alma, mas o meu sorriso é genuíno e é mais a marca da minha personalidade e da minha timidez no dia a dia.

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