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A Entrevista – Artur Ribeiro, guionista de «Santa Bárbara»

A Televisão
17 min leitura
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«Espero que quando a novela começar ninguém mate a São José Correia na rua, pois precisamos dela até ao fim», Artur Ribeiro em entrevista exclusiva.

Depois de contribuir para o sucesso de Belmonte, Artur Ribeiro está de regresso à ficção da TVI, desta vez com a primeira novela em 16:9 do canal, Santa Bárbara. É o guionista responsável pela adaptação portuguesa do sucesso da Telemundo La Patrona e não podia estar mais satisfeito com o projeto que está a desenvolver. «Deve ser a telenovela mais exigente que alguma vez foi produzida. Devo dizer que não fica nada atrás de qualquer série americana», confessou ao A Televisão. O autor considera que em Portugal fazem-se «milagres» com os orçamentos que temos na televisão.

Em 2014, Belmonte entrou na luta pelo Emmy, mas perdeu para uma telenovela brasileira. O quão gratificante foi receber a nomeação?

Foi muito gratificante ser nomeado, não só por ser a minha primeira novela, mas sobretudo por ser o reconhecimento de um trabalho extraordinário de todos envolvidos. Perder para uma novela da Globo, no ano do seu 50º Aniversário, sendo a Globo copatrocinadora dos Emmys Internacionais, e sendo a Globo a produtora por excelência deste formato, é natural, e em nada minimizou o feito extraordinário que foi Belmonte.

A narrativa de Belmonte, ágil e dramática, surpreendia o telespetador. Como é o seu planeamento para manter o ritmo das suas histórias?

Eu não faço planos. Todos os dias parto para escrever um episódio sem saber ainda bem o que vai acontecer, mas como vivo com este universo e estas personagens 24 horas por dia, acho que a narrativa acaba por sair naturalmente. Por outro lado, tenho que me entusiasmar com o que estou a escrever, por isso, sempre que sinto que estou a seguir uma linha de história previsível ou a perder o ritmo, tenho de dar uma volta à história e lançar o enredo para direções que às vezes não sei ainda para onde vão ou lançando problemas que não sei ainda como irei resolvê-los. Depois, tenho uma equipa fantástica que me ajuda a não perder o pé e a inspirar mais loucuras.

Quando desenvolve as suas novelas, define o início, meio e fim das histórias ou elas são definidas por partes?

Em ambos os casos – Belmonte e Santa Bárbara – são supostamente adaptações, por isso poder-se-ia pensar que já está tudo definido, mas não, pois na verdade só pego nas premissas e depois levo a história na direção que me apetece.

As suas novelas lembram o ritmo de um filme. Há muita diferença em escrever para o cinema e para a televisão?

Há, mas não tem a ver com o ritmo – há séries com ritmos muito diferentes, assim como cada filme tem o seu. Tem a ver sim com o facto de quando se escreve um filme há uma história definida com princípio, meio e fim, fechado; e nas séries, em geral, está tudo ainda em aberto. Nas telenovelas nem se fala, visto estarmos a falar de 200, às vezes 300 episódios, e nem sempre se sabe exatamente quantos vão ser. É como se fosse a vida real mas intensificada e em constante conflito e clímax.

Costuma ver novelas?

Nunca tive esse hábito (e apesar de agora picar de vez em quando, sobretudo os episódios de estreia, continuo a não ver) e por isso talvez as minhas referências de cinema e séries acabem por passar um pouco para a minha escrita, mas a telenovela é um formato muito específico e estou ainda a aprender, embora por vezes prefira não aprender e improvisar para tentar manter alguma frescura narrativa; ou então, estou a fazer tudo mal…

Belmonte ficou marcada por reviravoltas. Essa característica será mantida em Santa Bárbara?

Acho que todas as telenovelas são marcadas por reviravoltas. E, mais uma vez, para aqueles que aqui nos fóruns ou nas revistas vão ver os originais para saber o que é que vai acontecer, podem esquecer e desistir de fazerem capas ou notícias com «revelações» pois como disse atrás, depois de partir das premissas dos originais é tudo uma nova novela.

Hugo de Sousa, diretor de projeto, disse que Santa Bárbara funciona melhor do que o original, La Patrona. Concorda?

Concordo que sobretudo funciona melhor para Portugal – sem sombra de dúvidas, que se Santa Bárbara fosse uma mera adaptação do La Patrona não teria nada a ver com a nossa sensibilidade e realidade e iria funcionar muito mal em antena. O original segue uma linha dramática muito característica da América Latina – e neste caso México – que não se traduz de todo para a nossa realidade. Por outro lado, se vamos fazer uma nova versão, é claro que queremos fazer melhor; e depois de ver o primeiro episódio e saber o que aí vem, tenho a certeza que sim.

De que forma a parceria com Hugo de Sousa influencia no resultado final da novela?

Nunca tinha trabalhado com o Hugo e somos duas pessoas muito diferentes nas nossas referências e sensibilidades. E isso é ótimo para o projeto, pois no encontro das duas abordagens o produto final só fica a ganhar, pois o Hugo é uma pessoa com uma enorme experiência de televisão e que ajuda a concretizar algumas loucuras que nós escrevemos e ao mesmo tempo chamar-nos para a realidade quando começamos a disparatar e escrever coisas impossíveis. Se tivéssemos um diretor de projecto igual a mim, acho que tudo descambava ao fim de muito pouco tempo. É ótimo ter alguém pragmático como o Hugo em parceria com alguém mais fantasioso como eu.

O que é que difere Santa Bárbara das outras novelas?

Começa por ser uma telenovela com um cenário original: uma mina. Por outro lado, nesta telenovela a classe trabalhadora tem um grande protagonismo na trama. É uma novela com uma verdadeira luta de classes. Por outro lado, é um pouco como um western. Numa terra sem lei, um herói improvável irá ter de lutar para repor a justiça e a ordem. Neste caso uma heroína: a nossa Gabriela [Benedita Pereira], mineira, mãe solteira e de pelo na venta.

Como avalia a prestação de Benedita Pereira, cabeça de cartaz da trama?

A Benedita está a fazer um papel que exige muito dela e a superar-se a todos os níveis. Acho que tem uma personagem única e é a Gabriela que eu imaginei no papel. Curiosamente, no final do ano passado, estávamos os dois a preparar um monólogo que escrevi para ela em Nova Iorque e mal sabíamos que em vez disso íamos acabar por fazer este épico juntos, mas ainda bem que assim é. Quando acabarmos, tempos tempo para fazer o monólogo, se a Benny ainda aguentar dizer mais algum texto meu…

E a Antónia, de São José Correia, é uma vilã que consegue criar empatia com o público?

Esperem tudo e mais alguma coisa da personagem da São José – e da sua interpretação – e mesmo assim a vossa imaginação vai ficar aquém do que temos escrito para a personagem e do que a São faz com ela do texto para o ecrã. Espero que quando a novela começar ninguém mate a São na rua, pois precisamos dela até ao fim.

Sei que tenta fugir a qualquer tipo de rotina… Mas como é a sua vida agora?

Desta vez tenho um pouco de rotina, mas apenas no que diz respeito a começar o mais cedo possível de manhã, antes que haja telefonemas, questões e outras distrações. Normalmente já estou a escrever às seis, sete da manhã, e depois de entregue o episódio do dia para a minha equipa, cada um gere o seu tempo e só têm de entregar até à manhã do dia seguinte para eu rever. Mas tirando esta rotina de começar sempre o dia cedo, de resto tenho tudo menos rotina do sítio onde escrevo, escrevendo por vezes em casa, outras em cafés, esplanadas, ou mesmo noutras terras e países, estando por exemplo agora a escrever de Nova Iorque.

Costuma marcar presença nas gravações, o que ajuda no momento da inspiração para a escrita. Está a gostar da forma como tudo se está a desenrolar?

Muito. Para mim é sobretudo importante acompanhar a fase dos ensaios, não só para poder tirar dúvidas aos atores e aos diretores de atores como também para me inspirar no que eles trazem para as personagens. É essencial a proximidade do autor da realidade das gravações e da produção. Em Portugal fazem-se milagres com os orçamentos que temos na nossa televisão, por isso, esta interação entre a autoria e todos o setores é importante para que se consiga tirar o máximo do pouco que temos.

Satisfeito com o elenco escolhido?

Na pouca experiência de novela que tive fui sempre abençoado por um elenco fabuloso – foi assim em Belmonte, é assim em Santa Bárbara.

Ajuda na escolha do elenco de uma produção televisiva em que está envolvido?

Sim, ajudo na discussão do elenco, pois é importante esclarecer com a direção de projeto e a própria estação quem são exactamente estas personagens de forma a se escolher os atores ideais para cada uma delas.

A equipa de exteriores está a ter um trabalho muito duro e exigente. Filmar em minas não deve ser pêra doce…

Deve ser a telenovela mais exigente que alguma vez foi produzida. Depois de ver o primeiro episódio e as sequências finais na mina (não quero fazer spoilers mas toda a gente já percebeu que vai haver um desabamento), devo dizer que não fica nada atrás de qualquer série americana.

Já assisti ao primeiro episódio e posso dizer-lhe que não envergonha ninguém. Depois da curiosidade desfeita, o que é que vai acontecer?

Esperem pelo episódio 2, o 3, e depois o 4, 5, e então o 6, e o 10 e o 20 e o 30 e o 53 o 71 e o 72! Ah, e depois o 80 e o 90, e 100, e o 101, etc. A curiosidade nunca se vai desfazer e garanto que a história nunca vai esmorecer, até por o que já disse atrás, tenho de me sentir sempre entusiasmado ao escrever e eu próprio com curiosidade sobre o que é que vai acontecer a seguir.

E a grande novidade: Santa Bárbara é a primeira novela da TVI no formato 16:9.

Já não era sem tempo que a televisão toda em Portugal passasse para o formato 16:9 e é com grande satisfação que vejo Santa Bárbara a estrear nesse formato que faz muito mais justiça ao trabalho de todos. Santa Bárbara tem uma direcção de fotografia extraordinária, uma realização meticulosa e criativa e décores interiores e exteriores surpreendentes e tudo isso contribui para que de facto a imagem desta novela seja de grande qualidade.

Nos últimos anos, a TVI tem vindo a perder audiência para a SIC. Sente alguma pressão para atingir bons valores?

Esse lado ultrapassa-me. Só consigo pensar em escrever a melhor história, e com a minha equipa darmos os melhores textos aos atores, para que o público, de todos os géneros e origens, possam ter satisfação a ver a novela e com o interesse sempre renovado e vontade de seguir a vida destas personagens.

Como vê atualmente a ficção nacional?

Tem altos e baixos, como tudo, mas gostava de acreditar que com a facilidade de acesso a material de gravação e pós-produção que o digital trouxe começássemos a ver melhores filmes, séries, ou outros híbridos independentes com tanta qualidade narrativa como já se vê de qualidade técnica. Tenho visto muitos filmes – curtas e longas – de malta nova que filma sem apoios e com amigos, e o resultado e qualidade de imagem, montagem, etc., é excelente e espero que um dia destes saia de uma produção dessas um grande filme ou uma série de facto revolucionária. Até agora ainda não vi nada de genial, mas tenho esperanças.

Há quem defenda que a tendência da novela é encurtar, até porque a tendência da nossa paciência também é encurtar. Defende este ponto de vista?

Como é sabido, antes de escrever Belmonte nunca tinha trabalhado em telenovelas e fiz telefilmes, séries, mini-séries e até filmes de cinema. Naturalmente, preferia esses formatos mais curtos, contudo, o desafio de escrever uma telenovela surpreendeu-me pois encontrei também alguma virtude na escrita de uma história em aberto de longa duração. No entanto, de tantos em tantos episódios tento dar uma renovação e uma volta à história para que funcione quase como uma série com muitas temporadas. Aliás, esta novela já trazia do original duas fases separadas por uma elipse temporária grande, mas, para além disso, ainda vou criando novas fases para que nunca se sinta cansaço com o enredo.

No que toca à ficção, todas as histórias já foram contadas?

Talvez. Mas ainda tenho mais algumas para contar.

Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?

Tanta coisa. Tão pouco tempo.

Benedita Pereira A Entrevista - Artur Ribeiro, Guionista De «Santa Bárbara»
«Santa Bárbara» estreia esta segunda-feira, às 22h, na TVI.
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