Júlio Isidro recorda a quarentena e avisa: “A guerra não acabou”

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Júlio Isidro recordou um desabafo que escreveu há dois anos, ao fim de quarenta dias de quarentena, e referiu também que esta guerra contra o vírus, “a única que se justifica”, ainda não acabou.

“Há dois anos acreditávamos que, com o sol e o calor, o vírus da peste estava condenado. Mas as quarentenas vieram a crescer para… oitentenas”, escreveu Júlio Isidro na manhã desta quinta-feira.

“E ainda andamos de olho no vírus porque a guerra (esta, a única que se justifica) não acabou. Entre nós tirarmos a máscara e certa gente se desmascarar, vai uma quilométrica distância”, acrescentou.

De seguida, Júlio Isidro viajou no tempo até ao 40.º dia de quarentena, em abril de 2020.

Leia aqui a publicação de Júlio Isidro:

«Passaram quarenta dias de paisagem limitada. De início, o prazer de estar em casa, em família, tempo inteiro e – se não fossem as razões e as incógnitas – o saborear de uma pausa desta minha vida que leva 60 anos a bulir sem parar. Ia fazer tudo aquilo que não tinha tempo para fazer, arrumações, descobertas de memórias perdidas, dúvidas de deitar para o lixo papeis que o Google hoje resolve em segundos, mais passadeira, umas sestas, o livro autobiográfico para acabar, e os aviões previstos para se exporem no dia da Vitória sobre o nazismo. Fiz de tudo, mas há caixas ainda por abrir, nenhuma de Pandora, a passadeira começou a passar, sestas nem pensar, e o livro a amassar, sem levedar.

Eu próprio contrariei a regra e emagreci dois quilos, por comer melhor e menos. Os aviões já não irão exibir o meu jeitinho de mãos, na homenagem que queria prestar aos heróis da Segunda Grande Guerra. Talvez para o dia 2 de setembro quando o terrível conflito acabou após a rendição do Japão.

Um dia não fiz a barba, claro que tomei sempre banho, mas comecei a achar graça à ideia de alguém em que não me reconhecia, o avô Júlio. Como no fado, o cabelo foi branqueando e a barba também. Comecei a sentir que era mesmo do grupo de risco porque as estatísticas são hoje o grande suporte da medicina.

Convidado para o confinamento, dei por mim a pensar que quando o vírus morrer, gastei, esbanjei talvez um ano de vida que faz tanto arranjo a quem tem a minha idade, sonhos, projetos e ainda atividade. Claro que estou aqui para respeitar os estados todos, mas em que estado irei ficar quando puser o pé na rua, entrar na sala de edições e no estúdio da RTP?

E os filmes que só vou ver no tamanho assim assim do televisor cá de casa. E o convívio com amigos e familiares. E olhar o mar ou voar para o Reino Unido onde me esperam relvados a perder de vista para lançar os meus aviões? Agora que um dos estados se vai suspender, verifico que aquilo que me pedem é que para não morrer, tenho que deixar quase de viver.

Vou cumprir, vou pôr a máscara, luvas e frasco individual de desinfetante sem ser Sonasol para tomar às colheres, receita a la Trump.
E vou pôr o nariz na rua, para comprar o jornal, passear no paredão, e marcar encontro com um amigo para uma conversa de dez minutos a dois metros de distância.

Não me sinto em solidão porque estas três meninas cá de casa são a ternura feita gente. Mas sei que há uma regra da biologia e também da mecânica: a função faz o orgão. Vou andar porque confinar também pode ser morrer. Iniciei hoje a minha versão pessoal do estado de calma-idade. Comecei por fazer a barba».

Leia também: Júlio Isidro: “A televisão que eu faria seria uma televisão fora da guerra de audiências”

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