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Entrevista a José Eduardo Moniz

A Televisão
15 min leitura

José Eduardo Moniz, Directo-geral da TVI, estação líder de audiências em Portugal, respondeu a algumas questões onde acabou por confessar que “Fui convidado pela RTP para director-geral”. Afirmou, também, que está bem na TVI e que ponderou demitir-se quando Marcelo Rebelo de Sousa saiu.

Lê na íntegra a entrevista feito pelo jornal “Correio da Manhã”:

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Correio da Manhã – Dez anos à frente de uma televisão é um recorde em Portugal.

José Eduardo Moniz – Não sei, nunca fiz as contas. Mas é capaz de ser.

– Tem sido uma experiência marcante?

– É uma experiência que indiscutivelmente condicionou a minha vida. Eu estou cheio de pontos de referência que se cruzam com a minha experiência profissional.

– Quais foram os momentos mais marcantes? O pior?

– O pior, como eu já afirmei há tempos, foi a morte do jornalista Miguel Ganhão Pereira em circunstâncias muito dramáticas. O melhor foi quando eu vi, exausto, a mudança da TVI antiga para as novas instalações. Mudar a imagem de toda a estação, toda a estética.

– A saída de Marcelo Rebelo de Sousa também foi um momento mau.

– A saída de Marcelo Rebelo de Sousa foi uma situação muito complexa. Aliás não escondi isso. Foi um situação que não poderia, não deveria ter acontecido. E deu origem a uma situação de grande tensão interna.

– Esteve quase a sair da TVI?

– É verdade. Eu tinha de explicar às pessoas o que tinha acontecido, independentemente das consequências que o meu gesto pudesse vir a ter. Era preciso clarificar a posição do director da empresa face à sua administração e não haver dúvidas em relação a isso.

– Paes do Amaral saiu da Media Capital e entrou o grupo Prisa. As suas relações com o novo accionista como é que estão? De início houve alguma tensão, é verdade?

– O que tenha existido já passou e hoje é irrelevante falar sobre essa matéria. Nós temos a situação que as pessoas conhecem, os resultados da TVI estão aí, temos todas as pessoas a trabalhar, estamos a lançar um canal novo. O que interessa é isso. Independentemente do que se passou ou do que se tenha deixado passar.

– Nestes dez anos foi convidado para outras estações de televisão? Nomeadamente para a SIC. É verdade?

– Não lhe vou confirmar isso. Dir-lhe-ei que no caso da SIC é capaz de não ser verdade, mas no caso da RTP é verdade.

– Foi convidado para director da RTP?

– É verdade.

– Tinha vontade de voltar à RTP?

– Só se sai do sítio em que se está quando se está mal. Por isso não tenho tido necessidade de ponderar essa situação. É o que se passa comigo. Evidentemente que é diferente trabalhar na RTP.

– O convite era para a administração?

– Não.

– Era para director-geral da RTP?

– Sim.

– A RTP está a fazer concorrência desleal? Nomeadamente no futebol?

– Eu acho que sim. Aliás nunca o escondi, tendo eu uma relação de afectividade com a RTP. Passei lá alguns dos melhores anos da minha vida. Uma pessoa não faz a crítica pela crítica.

– Neste caso a crítica é justificável?

– Quando eu falava há pouco na diferença de trabalhar numa empresa pública ou numa empresa privada o que lhe posso dizer é que a RTP tem hoje condições únicas para ser de facto uma referência em Portugal se não se deixar levar por uma onda de competitividade extrema com os operadores privados.

– Essa onda existe actualmente?

– Repare. O equívoco que existe em relação ao serviço público é de sempre. Já tem barbas e nunca se resolverá provavelmente. Agora, poderia ter sido muito atenuado. Os dois operadores privados têm programações variadas, complementares e, logicamente, muito diferenciadas. Competiria muito provavelmente à RTP ter um perfil de actuação um pouco distinto.

– Distinto como?

– Porventura mais virado para outro tipo de programação mas, sobretudo, procurando assumir padrões diferentes tanto no género que apresenta como nos modos de produção dos programas. Em última análise, entre aspas, na qualidade dos programas. Se bem que nós entendamos que os programas da TVI têm qualidade. A RTP devia constituir uma referência.

– Falávamos em concorrência desleal. O futebol não é o caso mais flagrante?

– É onde a concorrência desleal mais se faz sentir. Nós vivemos actualmente uma situação paradoxal. Nós temos as selecções nacionais de futebol, que deviam ser albergadas naturalmente na RTP – caso se considere que o serviço público tem de ter o futebol –, e a Liga está na RTP. É uma situação incompreensível, inverosímel, sem sentido que só se justifica à luz de uma concorrência cujos fins não se conseguem antever, a não ser prejudicar a actividade dos operadores privados.

– A TVI insiste em conhecer o negócio do futebol?

– Nós queremos ter uma explicação sobre os fundamentos que a RTP encontra para se atirar da forma como se atirou à compra dos direitos do futebol. Nós não temos de apontar o dedo a ninguém. Está é uma questão que envolve directamente a RTP, que envolve o serviço público de televisão em Portugal. Nós queremos saber até que ponto é que é legítimo ao serviço público, à empresa que é concessionária desse serviço, utilizar mecanismos que não estão ao alcance de nenhum dos outros operadores para garantir um produto que, objectivamente, vai distorcer o mercado.

– Do ponto de vista financeiro foi uma oferta muito elevada?

– Nós sentimos que não se tratou apenas de uma oferta financeira. Provavelmente foram usados outros recursos, recursos esses inacessíveis aos outros operadores. E nós também temos curiosidade em saber até que ponto é que, ao abrigo das disposições europeias, é possível que verbas que são canalizadas para a RTP a título de cumprimento de um serviço público podem ser utilizadas em outros fins.

– Não há nenhuma outra razão?

– Trata-se apenas disso. Tenho muitos amigos na RTP, nada me move contra a RTP, a RTP é uma instituição que merece o respeito de toda a gente. O que acho também é que se tem de fazer respeitar. E quanto mais transparente for a relação da RTP com os outros operadores, com o mercado e com a sociedade portuguesa melhor será para a instituição.

– Como é que vê o papel da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC)?

– Há aparentemente alguma dificuldade de alguns dos poderes existentes em Portugal em conviverem com a Comunicação Social. E há um olhar muito apertado sobre aquilo que a Comunicação Social faz, como se os jornalistas ou os empresários fossem eles os responsáveis pelos problemas que o País tem ou a solução para esses problemas. Ora os jornalistas têm como missão mostrar o que acontece, informar as pessoas, esclarecer se o que foi prometido está a ser cumprido, enfim, comentar e criticar. É essa a sua função. E toda a classe política tem de saber conviver com isso.

– Muitas vezes não consegue.

– Há objectivamente uma grande dificuldade em perceber isso. Daí que surjam estas entidades que o poder político cria no sentido de controlar ou fiscalizar o que nós, jornalistas ou programadores, fazemos. É a essa luz que nós encaramos essas entidades.

– Mas são precisas?

– Nunca defendi que nós devíamos viver numa selva em que cada um fizesse o que lhe apetece.

– Não defende a autoregulação?

– Sou muito defensor da autoregulação e é o principal instrumento numa sociedade democrática e avançada. Sou muito defensor da tese de que se os tribunais funcionarem bem a justiça se encarregará, quando houver prevaricações, de resolver as situações que ocorrem.

– Como é que são as relações da TVO com a ERC?

– Do ponto de vista institucional são boas, temos uma estrutura muito profissional a trabalhar com a ERC, que conhece perfeitamente as nossas posições, como acontece agora no caso do futebol na RTP .

– Acha que o futebol na RTP já tem a ver com a guerra em curso para o quinto canal?

– Eu não lhe chamaria guerra. Há um processo em curso. Mas não me parece que esta situação do futebol tenha alguma coisa a ver com isso.

– O mercado vai aguentar mais um canal?

– Acho que o mercado tem condições muito deficientes para albergar mais um canal. Agora, vejo todos os grupos de Comunicação Social disponíveis para se candidatarem a esse canal. O que é preciso perceber é que o bolo publicitário vai ser dividido por mais um e que as estratégias das estações vão ter de ser equacionadas.

– Vai haver uma diminuição de qualidade?

– Provavelmente não vai ser possível haver, em alguns casos, o nível de ambição que existe para determinadas coisas.

– A TVI apostou sempre na produção nacional. Vai haver uma diminuição desse investimento?

– Não sei responder a isso. Espero que não.

– O presidente da Media Capital admitiu isso recentemente.

– Vamos fazer contas. Nós estamos, actualmente, a produzir cerca de mil horas de ficção por ano. É evidente que se houver uma redução do mercado publicitário a TVI pode ser obrigada a ajustar essa produção a esse facto.

– Quando é que regressa aos ecrãs?

– Quando tiver tempo. É das coisas de que mais saudades tenho. Não escondo isto. Não é vaidade. Eu gosto de fazer televisão. Sobretudo gosto da minha profissão, que é ser jornalista. Qualquer função hierárquica é sempre transitória. Os que se deslumbram com os cargos estão enganados. Isso não vale nada. Só que eu acho que para fazer coisas tenho de as fazer bem. E tenho de ter tempo para as fazer, coisa que não tenho agora.

– Há muita pressão do Governo sobre a informação da TVI?

– Nós não sentimos muito. Se calhar já desistiram.

– E o novo canal de cabo da TVI, o TVI 24? Neste momento a RTPN está a fazer um grande investimento. A aposta da TVI também é vencedora?

– Nunca deito foguetes antes do tempo. Estamos a fazer um trabalho sério na preparação do canal. Não temos os recursos financeiros da RTP. E o que é notável é considerar-se a RTPN um serviço público de televisão. Não percebo porquê. Agora, o novo canal vai ser uma maratona, não vai ser uma corrida de 100 metros.

– Quantas pessoas vai ter o TVI24

– Não lhe posso dar o número exacto, mas é menos do que uma centena.

– As redacções vão ficar separadas?

– Não. Vai ser uma redacção única.

– E o seu futuro na TVI? Já disse que o que gostava de fazer era jornalismo. Será a médio prazo?

– O que havia de difícil para fazer na TVI está feito. E estou muito grato às pessoas que me ajudaram nisto. Temos uma equipa muito sólida. Há pessoas que já estavam na TVI antiga, a maior parte das pessoas que operaram a mudança já estavam na TVI. Mas não posso deixar de estar reconhecido à Manuela Moura Guedes, que trocou o que tinha por um risco, ao Mário Moura, que também trocou uma posição confortável na RTP pela TVI, e ao António Prata que fez o mesmo.

– Agora a TVI é um projecto vencedor, líder de audiências. E o futuro?

– Sabe que o que interessa em primeiro lugar não são as audiências. O que interessa é viabilizar as empresas e torná-las rentáveis antes de serem líderes. O que é importante é nós sabermos que aquelas 400 famílias que dependem de nós, todos os meses, ao final do mês, têm o salário garantido. E o que hoje é verdade amanhã pode não ser.

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