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Renato Godinho: “O que andamos nós a fazer? Ao futuro, quero eu dizer”

"A brutal degradação da qualidade moral, ética, intelectual e humana da classe política é (também) nossa responsabilidade."

Ana Ramos
6 min leitura

Renato Godinho partilhou, esta quinta-feira, nas redes sociais, uma longa reflexão sobre a política, na sequência dos resultados eleitorais do passado domingo.

“É relativamente fácil versar sobre a decadente natureza moral de um partido como o Chega e sobre os seus eleitores. Interessa-me mais o ‘porquê’ e menos o ‘o quê’”, começou por referir o ator numa publicação no Instagram.

“Há 50 anos, uma revolução trouxe a democracia. A demos (povo) kratia (poder). Ora, nós, povo, detentores do poder, não nos podemos demitir da responsabilidade que ele – o poder – inevitavelmente nos confere. Os políticos não são criaturas de laboratório, ou frutos de árvore: são, antes de se tornarem nisso, cidadãos como os outros”, indicou Renato Godinho.

“Ao contrário do ovo e da galinha, aqui, a cronologia é fácil. Certamente que a responsabilidade que sobre eles recai é diferente, mas não é exclusiva. A brutal degradação da qualidade moral, ética, intelectual e humana da classe política é (também) nossa responsabilidade. Nós não somos exigentes”, afirmou Renato Godinho.

“Talvez este desinvestimento na exigência se deva a uma envenenada semelhança fonética entre as palavras fórmula e forma. Diz-se ‘procurar a fórmula certa’. Talvez andemos de ouvido preguiçoso ouvindo que é a forma certa que nos tem de guiar. Fórmula é um cocktail de modo + conteúdo + tempo… dá mais trabalho e requer mais dedicação, tanto de quem a oferece como de quem a adota. A forma, é uma versão mais preguiçosa da fórmula. Uma prima afastada, com notas mais baixas e que escreve mensagens com abreviaturas e sem pontuação. A forma a devorar o conteúdo. Em tudo, por que não na política? E nós deixamos. Dá-nos jeito”, considerou ainda Renato Godinho.

“É relativamente indiferente se o fazemos com consciência ou sem ela. A ausência de intenção é menos dramática mas é mais trágica. Fomos nós que criámos os monstros, ou que deixámos que eles se criassem. Criticamos a falta de empatia, a desumanidade dos líderes mundiais, que nos conduzem a conflitos armados, à injustiça social, mas deixamos os nossos filhos entregues aos telemóveis, porque é difícil educá-los. Sentamo-nos à frente de televisões à procura de entretenimento e pouco mais, espreitamos os programas e os vídeos decadentes que nos provocam emoções primárias, que vêm e vão à velocidade do fósforo e que nos dispensam de enfrentarmos a vida e o que dela queremos. Deixa andar. No sábado há bola e depois mete-se o agosto”, reparou Renato Godinho.

“O mundo consome-nos e nós consumimos o mundo”, sublinhou.

De seguida, Renato Godinho questionou: “Quem são os eleitores do Chega? Racistas? Fascistas? Xenófobos? Misóginos? Desesperados? Desesperançados? Irresponsáveis? Pessoas que confiaram no seu país para que lhes dessem oportunidade de ter uma vida digna e que governo após governo são abandonadas, desprezadas? Um pouco de tudo, talvez?”.

“Desta vez e é raro, não concordo com o MEC. Não se trata de um milhão de votos do contra. Se olharmos para esta quantidade gigante de pessoas e as quisermos arrumar todas na mesma caixa, estamos, mais uma vez, a ser irresponsáveis e a alimentar o ‘monstro’. A ideia de que este fenómeno é alheio à falha constante de um sistema de privilegiados que não oferece oportunidades aos mais desfavorecidos para que através do estudo e do trabalho possam contrariar a realidade onde nasceram, é simplesmente suicida”, acrescentou Renato Godinho, referindo que não os desresponsabiliza. “Também eles, seja qual for o seu contexto, têm a responsabilidade de saber o que estão a escolher”, disse.

“O que andamos nós a fazer? Ao futuro, quero eu dizer”, escreveu.

“Alguém acredita que o problema da educação se esgota nos salários dos professores, nas condições das escolas, nas carreiras? Nas avaliações intercalares? Educação. O maior dos desígnios. A primeira das prioridades. No mundo em que vivemos, conseguem apontar-me profissão mais crucial do que a de professor? Lugar mais fulcral do que a escola?”, perguntou Renato Godinho.

“Deixemos de ser uma sociedade punitiva e reativa e passemos a ser uma comunidade proativa, consciente, responsável, com exigência e com uma visão. Um caminho, para que os filhos dos nossos filhos possam ter uma vida bonita, e não haja lugar a sentimentos revanchistas contra o sistema. E tudo isto começa em cada um de nós e nas nossas escolhas. No que vemos, no que ouvimos, no que lemos, no que dizemos e no que fazemos. Responsabilizemo-nos”, rematou Renato Godinho.

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