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Nuno Markl sobre António-Pedro Vasconcelos: “Era capaz de estar horas a falar com ele sobre cinema”

"Teria sido maravilhoso só pelo incrível que era partilhar mais uns meses da minha vida a aprender com ele, a rir com ele, a beber cada instante do privilégio que era estar com este bom gigante."

Ana Ramos
5 min leitura
Facebook/DR

Nuno Markl reagiu, esta quarta-feira, nas redes sociais, ao falecimento de António-Pedro Vasconcelos.

“Eu não conseguia falar de futebol com o APV, mas era capaz de estar horas a falar com ele sobre cinema. Ou, sobretudo, a ouvi-lo. O conhecimento dele de todas as avenidas, ruas e becos do cinema clássico era um deleite de apreciar e algumas curiosidades que guardo na memória vieram dele e de jantares, intervalos de filmagens e viagens de promoção do filme dele onde tive a honra de participar, ‘A Bela e o Paparazzo’”, começou por dizer no Instagram.

“Era tão divertido, tão inteligente, tão crente na ideia de que o cinema pode chegar ao público sem se rebaixar ou tornar-se popularucho. Podia, em vez disso, espicaçar a inteligência, ter coração, comover, fazer rir, excitar, arrepiar. De facto, os seus heróis – Hitchcock, Truffaut, Wilder – tinham decifrado esse código; ele também”, descreveu Nuno Markl.

“Quando me convidou para ‘A Bela e o Paparazzo’, eu disse-lhe que era má ideia: que não era ator e só sabia fazer de mim mesmo. ‘É isso mesmo que preciso’, respondeu ele. Lá me atirei de cabeça, em vésperas de ser pai, o que o inquietou: ‘E se o teu filho nasce no primeiro dia de filmagens?’. O Pedro fez-me o favor de nascer um dia antes; o António mandou escrever na folha de serviço do primeiro dia: ‘Pedro Markl apoia o cinema português!’”, recordou Nuno Markl.

“Um dia, entre takes, disse-me: ‘Eh pá, tu não sabes ouvir’. Abalado, respondi: ‘Como assim? As pessoas têm-me em conta de ser um bom ombro amigo’. ‘Não é isso’, disse ele. ‘Isto é normal quando se começa como ator – tu não sabes ouvir na cena. Quando a pessoa que está a contracenar contigo fala, eu noto que estás só à espera do momento de dizeres a tua deixa. Assim, a tua personagem parece não estar a ouvir o que a outra personagem está a dizer’. Remédio santo. Uma das várias coisas que aprendi com ele. Bastou esse toque para a coisa ir ao sítio”, lembrou ainda Nuno Markl.

Nuno Markl comentou ainda que outra coisa que aprendeu com António-Pedro Vasconcelos foi “a não achar que um filme era um sketch”.

“Tinha um longo monólogo, brilhantemente escrito pelo Tiago R Santos, em contracena com a Soraia Chaves. E estava em pânico. ‘Eu não sei se consigo fixar isto tudo’, digo-lhe eu, parvo e ingénuo. ‘Será que não posso ter um papelinho à minha frente com o texto e vou lendo?’. Acho que foi a única vez que o vi – levemente – irritado, mas sempre espirituoso: ‘Mas tu achas que isto é Televisão??? Isto é Cinema! Vai decorar o texto, pá!’. Amochei, decorei. Ficou bem”, contou Nuno Markl.

“Ainda não sei bem que Markl foi este que ele conseguiu arrancar daqui, mas foi 100% obra de um homem paciente, delicado, dirigindo os atores com elegância, detalhe e gentileza”, afirmou.

“Numa das últimas vezes que nos cruzámos, disse que tinha pensado numa ideia cómica para voltarmos, um dia, a trabalhar juntos: ‘Imagina, eras um instrutor de hidroginástica que tentava engatar velhinhas, nas aulas’. Eu, que não gosto de me expor em calção de banho, por ele, alinhava na aventura. Nunca aconteceu – poupando desta forma o público a tal imagem -, mas teria sido maravilhoso só pelo incrível que era partilhar mais uns meses da minha vida a aprender com ele, a rir com ele, a beber cada instante do privilégio que era estar com este bom gigante”, rematou Nuno Markl.