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Egas Moniz em destaque no «Discovery Showcase HD»

Pedro Vendeira
6 min leitura

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Numa altura em que não existia medicação para as doenças do foro psiquiátrico e em que os hospícios não eram mais do que prisões para indivíduos perturbados e perigosos, o médico português Egas Moniz acreditou ser possível tratar os casos mais graves – pacientes com esquizofrenia ou ansiedade e agitação associadas a obsessões e compulsões – através do corte de uma substância branca localizada na região pré-frontal do cérebro. Este trabalho merece destaque numa série internacional Dark matters: twisted but true do Discovery Show Case HD e será emitido em Portugal dia 16 de dezembro, pelas 21 horas.

A técnica, a que o próprio chamou leucotomia mas que acabou por ficar conhecida por lobotomia, conseguia reduzir os sintomas neurológicos associados a este tipo de patologia e devia ser aplicada apenas em último caso, em pacientes que representassem risco para si mesmos ou para os outros.

A prática comprovou, no entanto, que os efeitos da intervenção iam muito além do esperado, com uma alteração de personalidade e comportamento, que tornavam os doentes apáticos e abúlicos, sem vontade, desejo, pensamento ou capacidade de decisão.

É esta a história retratada em Dark matters: twisted but true, numa dramatização que conta ainda como Egas Moniz foi baleado por um dos seus pacientes – um caso clínico que o próprio médico considerou não ser suscetível de tratar por leucotomia. Este incidente deixou-o preso a uma cadeira de rodas, tinha Egas Moniz 65 anos.

Se não há dúvida que este é um caso que ilustra bem como a ciência e medicina que se praticava há apenas 60 ou 70 anos atrás tinha práticas que nos parecem hoje totalmente bárbaras, é preciso analisar este caso à luz dos conhecimentos da época. A técnica de Egas Moniz estava enquadrada por pesquisas científicas anteriores e tinha sido testada com resultados positivos em chimpanzés a quem haviam sido induzidos sintomas similares aos dos pacientes, tendo sido considerada um avanço muito significativo.

Pelo facto de estar à frente do seu tempo, Egas Moniz foi reconhecido com o Prémio Nobel da Fisiologia em 1949. Anos antes, em 1945, tinha ganho o Prémio de Oslo, pela sua descoberta da angiografia cerebral. Esta foi um dos maiores, senão mesmo o maior contributo do português para a medicina moderna, já que permitiu encontrar as primeiras substâncias de contraste para tornar visíveis os vasos cerebrais durante as radiografias, possibilitando, por exemplo, a deteção de tumores.

De resto, a leucotomia de Egas Moniz foi depois transformada e desenvolvida pelo americano Walter Freeman que a transformou em lobotomia (corte das vias que ligam os lobos frontais ao tálamo e outras vias frontais associadas), tendo sido amplamente aplicada para “tratar” a esquizofrenia, em especial nos Estados Unidos, nos anos 50.

Freeman e muitos outros médicos que o seguiram levaram a cabo uma verdadeira campanha nacional, estimando-se que tenham sido lobotomizadas cerca de 50 mil pessoas só nos EUA.

Refira-se que apesar da leucotomia e lobotomia teriam sido abandonadas, ainda hoje se realizam algumas intervenções, embora raras, que descendem da técnica original do médico português. No entanto, as incisões são feitas em regiões bem delimitadas que não atingem outras funções.

Médico, cientista, professor, político e mentor

Egas Moniz (1874 – 1955) formou-se em Medicina na Universidade de Coimbra em 1899, tendo começado a lecionar em 1902, já depois de ter completado o doutoramento. Ensinou, Histologia e, mais tarde, Patologia Geral. Em 1911, já catedrático, seguiu para a capital, como responsável pela cadeira de Clínica Neurológica, na Universidade de Lisboa, e abriu o seu próprio consultório.

Médico e professor, Egas Moniz foi também um político ativo, chegando a ser preso (1908) por se envolver na tentativa de golpe de estado contra o ditador Franco.

Foi deputado em várias legislaturas e, mais tarde, fundou o Partido Centrista (1917). Foi Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Sidónio Pais e foi na sequência do assassinato deste governante que decidiu retirar-se da política e dedicar-se à ciência.

Pouco mais tarde, em 1922, dirigiu o Hospital Escolar de Lisboa, e entre 1929 e 1931, assumiu a direção da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Durante este mesmo período, perante o défice alimentar que assolava a Europa e afetava o crescimento das crianças portuguesas, foi também um dos mentores da indústria leiteira no nosso país, criando a primeira fábrica de leite em pó, em 1923.

Esta fábrica – a Sociedade de Produtos Lácteos, Lda. que viria a ser o berço da NESTLÉ em Portugal – nasce em Avanca, na mesma terra em que o próprio Egas Moniz tinha nascido, em 1874.

O episódio de Egas Moniz em Dark matters: twisted but true, será emitido dia 16 de dezembro, às 21 horas no Discovery HD Show Case.

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Amante da tecnologia e apaixonado pela caixinha mágica desde miúdo. pedro.vendeira@atelevisao.com