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A Entrevista – Manuela Dias, a autora da minissérie «Justiça»

Diana Casanova
8 min leitura

Manuela Dias conta com cerca de 20 anos de carreira e agora chegou ao nosso país uma nova criação sua. A série Justiça, estreou na passada semana em Portugal, no canal Globo e, como tal, o A Televisão esteve à conversa com a autora que nos conta um pouco mais sobre esta minissérie que deu que falar no Brasil e promete fazer o mesmo deste lado do Atlântico. Adriana Esteves, Cauã Reymond, Marjorie Estiano, Vladimir Brichta, Drica Moraes e Deborah Bloch são alguns dos nomes sonantes do elenco.

Depois de ter sido aluna de Gabriel García Marquez, Manuela Dias apostou na televisão. Começou pela representação, mas logo decidiu passar para a criação das histórias. Entre os seus trabalhos destacam-se A Grande Família (2001-2014), Fama (2002), Sandy e Júnior (1999-2002), tendo sido também colaboradora em Cordel Encantado (2011) e Joia Rara (2014).

Leia, então, A Entrevista a Manuela Dias, a autora de Justiça, minissérie que pode ver no canal Globo de terça a sexta-feira a partir das 23h ou em compacto ao domingo, às 22h.


Justiça tem narrativa e formato inovadores. Como classifica a minissérie?

Justiça defende uma ideia que desembocou nesse formato. Foi um casamento natural e necessário entre forma e conteúdo. É uma minissérie que conta quatro histórias independentes, porém interligadas. O formato funciona quase como uma lasanha: dá pra comer só uma camada de queijo e sentir o gosto, mas é comendo tudo junto que se tem a experiência do todo.

Como surgiu a ideia de uma narrativa tão incomum?

A partir de um caso verídico: a moça que trabalhava na minha casa me pediu ajuda porque o marido estava preso por ter matado o cachorro do vizinho. Aquilo me deu um estalo sobre a esfera pessoal da questão das leis e punições. Observar a vida daquela mulher à beira da devastação depois desse acontecimento jurídico me mobilizou e acendeu a chama da minissérie.

Perdão e arrependimento. Podemos afirmar que essas duas questões são essenciais nessas histórias?

Justiça não trata de leis ou processos jurídicos, mas sim do conceito de justo. O que é justo, certo ou errado sob o ponto de vista ético e moral e não sob o ponto de vista circunstancial ou social como as leis que variam com o tempo e de sociedade para sociedade. Perdão e arrependimento são questões satélites desse questionamento do justo, assim como a vingança. Justiça e vingança são conceitos que se misturam o tempo todo a depender do ponto de vista que olhamos para a questão.

Justiça traz histórias fortes. Espera que a crueza das situações crie uma empatia especial com o público?

A dramaturgia sempre busca provocar a identificação por parte do público, porque sem identificação não tem transferência e o processo de experiência vicária não se dá. A ideia de criar histórias tem a ver com ampliar as nossas experiências, traçar uma trama fictícia, virtual, na qual as pessoas possam testar seus valores e limites sem necessariamente matar alguém, trair etc. Em Justiça, a linguagem realista, que flerta com o documentário, incentiva ainda mais essa identificação, mesclando o material ficcional com o que entendemos por realidade quotidiana.

A interligação entre os personagens é pouco óbvia. Como foi esse processo?

Foi como tecer uma malha, fio por fio, criando um desenho. A brincadeira era justamente essa, investir no que chamei de cenas conjuntas, nas quais os personagens comungam um mesmo espaço.

Das quatro histórias, qual delas você aponta como sendo a mais difícil para o personagem em questão?

A pior injustiça é aquela que nos atinge. Quando estou contando a história de Elisa (Débora Bloch), que vê sua filha ser assassinada, acho essa a pior história. Quando me coloco sob o ponto narrativo de Fátima (Adriana Esteves), presa injustamente por sete anos, e isso causa uma diáspora familiar, acho que a dela é a pior história. Já quando estou escrevendo para Rose (Jéssica Ellen) e Débora (Luisa Arraes), uma jovem que foi estuprada, penso que essa deve ser a pior experiência, uma vez que mesmo que o estuprador seja preso, nada fará o tempo voltar atrás. Porém, quando passo para a história de sexta-feira, e vejo que Maurício (Cauã Reymond) acabou cometendo eutanásia na mulher que amava e por isso ficou preso e atado a um sentimento de vingança, acho que ele é o maior injustiçado.

Como se sentiu ao criar estas histórias tão dramáticas? Como autora, chega a passar por um certo desgaste emocional?

Sou fascinada pela complexidade da vida. O feio e o pesado apontam naturalmente para o belo e o leve. A injustiça aponta para a justiça. Os conceitos caminham lado a lado com seus opostos. É essa oposição que delineia tudo. Eu sou definida por tudo que é não-eu. Escrever histórias pesadas traz a leveza na mesma proporção. Assim como escrever comédias pode ser deprimente. Pensar na morte nos liga à vida e não ao contrário.

O que há de mais desafiador em criar todas essas histórias? De que maneira o formato da minissérie influencia o ritmo dos acontecimentos e dos diálogos?

Nessa minissérie, forma é conteúdo. Não são coisas que podemos pensar separadamente. A ideia do formato e a ideia das histórias nasceram juntas. O que é justo depende do ponto de vista em que vemos a questão, por isso, contar a história sob diversos pontos de vista é uma questão estrutural que explora o conteúdo trazendo uma nova forma narrativa.

Como foi o trabalho em parceria com o diretor artístico José Luiz Villamarim?

O Zé é um parceiro dos sonhos. Profundo no conteúdo e leve no trato. Uma pessoa de extremo bom gosto sem ser um esteticista. Para ele as imagens são geradas no conteúdo, que é sempre o ideal, porque imagem por imagem não conta história. E é isso que somos: contadores de histórias. Nos conhecemos  já para esse trabalho. O Moa Batsow, diretor de arte, que é meu amigo e sempre trabalha com o Zé, apresentou Justiça pra ele. Graças a essa extrema sensibilidade, o Zé viu nos textos os traços documentais, buscou na obra escrita os caminhos para a realização – isso gera um casamento perfeito entre roteiro e direção.


 

Redatora e cronista