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A Entrevista – Hugo Andrade

David Soldado
23 min leitura

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Hugo Andrade assumiu o cargo de diretor de programas da RTP em 2011. Meses mais tarde enfrentou uma das piores fases do canal, que coincidiu com a entrada da GFK como mediadora oficial das audiências em Portugal. Das três generalistas, a RTP foi a mais afetada. Seguiram-se tempos difíceis e apostas fracassadas. A sua missão como serviço público foi inclusive posta em causa. Hoje, dois anos depois, Hugo Andrade recorda os dias negros e a mobilização que o canal fez mesmo «contra tudo e contra todos».

1 A Entrevista - Hugo Andrade

Água de Mar é a mais recente aposta da RTP. Porquê esta continuidade na ficção?

Por vários motivos: primeiro porque a RTP no prime time tem um programa a menos daquilo que devia ter. Tem o 5 Para a Meia-Noite a ser emitido às 11 da noite, que é um programa de late night. Para a programação ser mais consistente, a RTP precisava de ter um terceiro programa. Depois porque o género de ficção é um género, na minha perspetiva, que faz mais sentido os serviços públicos investirem. É uma indústria importante em todos os países e a RTP andava muito longe de participar ativamente de forma importante nessa indústria, e com Água de Mar passamos a ser a televisão em Portugal com mais ficção que tem.

Mas há quem diga que a RTP está a deixar de ser uma alternativa, que é um dos objetivos do serviço público.

Eu respeito todas as críticas porque tudo é verdade e tudo é mentira, ou seja, a RTP tem uma missão e não se pode demitir de fazer a sua só porque os outros acham que só lhes compete a eles essa missão. Eu percebo. Agora o que nós procuramos fazer é diferenciar-nos daquilo que for possível. O que nós fazemos, nomeadamente na ficção, é não haver novelas em prime time, que já é uma grande diferença.

A continuidade dada ao Bem-Vindos a Beirais mostra que não estamos muito longe de um formato telenovela.

Não é uma grande diferença na medida em que fazemos séries longas, ok. Mas tentamos e vamos trabalhando constantemente com os guionistas para que ela se acentue. Beirais é claramente uma coisa que se percebe que não é uma novela. Água de Mar é a mesma coisa. Nós procuramos fazer coisas dentro do mesmo género, só que não podemos deixar fazer o mesmo género.

2 A Entrevista - Hugo Andrade

Mas na sua ótica, apostar em ficção quando a concorrência tem ficção é considerado fazer serviço público?

Todos os grandes serviços públicos da Europa têm a sua programação mais ao menos dividida assim: 30% de ficção, 30% de informação e 30% de entretenimento. É a matriz dos países de maior sucesso dos serviços públicos. Porque é que não há-de ser a nossa matriz também? Porque é que havemos de ter um serviço público idêntico aquele onde não é relevante? Não faz sentido. Nós procuramos naturalmente viver bem. Eu acho que já foi mais feroz a concorrência entre as estações de televisão, acho que hoje em dia há uma complementaridade interessante, até pelo estilo de programas – mesmo que o género seja idêntico. Na ficção, nós procuramos ser aquilo que se diferencie e não fazemos só séries diárias, nós fazemos projetos como fizemos o Conta-me como Foi, o Depois do Adeus, Mulheres de Abril, etc. Nós tentamos chegar na ficção a todo o tipo de ficção, a todos os géneros e também a todos os públicos. Os outros não, os outros só fazem novelas, portanto, há diferenças.

3 A Entrevista - Hugo Andrade

Mas a RTP também tem uma novela, Os Nossos Dias.

Nós queremos ter uma novela e temos na hora de almoço, até porque os outros não fazem novelas – os outros reemitem -, e achamos que devemos ter sem qualquer problema. No prime time nós tentamos que não se façam novelas. Porque é que fazemos séries longas? Tem a ver com a relação-custo. É impossível fazer séries curtas como foi Mulheres de Abril com cinco episódios. Uma série de cinco episódios custa muito mais que uma série de 50, portanto, nós com a bolsa que temos, respeitamos a bolsa que temos. Não andamos a gastar sem ter, só é possível se fizermos séries longas.

Mas preferia ter séries longas ou curtas na grelha de programação da RTP?

Eu preferia ter condições financeiras para fazer imensas coisas, séries históricas eu adoraria fazer todas. Está tudo por fazer, eu adorava ir ao início da história de Portugal e trazer toda até aos nossos dias com histórias de todos os grandes heróis portugueses, grandes momentos, grandes acontecimentos. Mas Portugal não tem indústria para isso, não tem público para isso, portanto, nós temos que fazer um bocadinho de cada. Ficção para todo o público e depois para todo o público fazer as histórias, enfim, possíveis da nossa história, da nossa afirmação como país, a nossa identidade.

Continuando ainda na ficção e centrando-se em Água de Mar. A série estava apontada inicialmente para ser aposta das 23 horas, porém está atualmente na primeira faixa do horário nobre. Houve uma mudança de planos?

Não, sabe que às vezes isto funciona assim, os projetos são desenhados em função de várias coisas… Têm objetivos. Fazemos Água de Mar porque vai atingir outro tipo de público que não temos e depois o seguinte trabalho que se faz é: se queremos este público, onde é que ele está? Depois, a partir daí, começamos a desenhar qual é o horário que queremos, qual é a estratégia que vamos ter para atingir esse horário. O que é que fazemos muito? Só quando temos certezas é que informamos. Agora, o que acontece em Portugal é que toda a gente tem uma opinião, portanto, eu já vi muita coisa na imprensa, umas coisas são verdade, outras não sei.

Aliás, antes da divulgação oficial do horário, houve atores que criticaram o horário das 23 horas.

Os programadores programam, os atores atuam. Eu também não sei ser ator, eles não percebem o porquê das coisas. O ator quer sempre ter o melhor horário, o que eles não sabem é que muitas vezes o melhor horário não é aquele que eles pensam. Eu dou sempre este exemplo, e as pessoas ficam um bocado surpreendidas: nós as vezes às 14 horas, temos 500 mil telespectadores e às 11 da noite temos 200 mil (portanto, às vezes não é bem o que as pessoas pensam). A RTP tem uma equipa de especialistas que nos ajudam a perceber essas coisas e os atores muitas vezes não percebem. Ok, para eles é muito importante o prime time, as nove da noite. Nós temos o exemplo d’Os Nossos Dias, tem resultados ótimos, toda a equipa adora fazer e estão satisfeitíssimos com os resultados. Não são um milhão de telespectadores, não mas se calhar aquela novela metida às dez da noite não tinha mais que 200 mil porque não foi feita para ali, não foi pensada para as dez da noite. Foi pensada para as 14 horas, foi pensada para várias coisas. Por exemplo, 14 horas são horas de comer, portanto, a novela não tem muitos exteriores, períodos de imagens que não dizem nada, tem diálogos constantes para as pessoas puderem estar a comer e a fazer algo e a ouvir a novela. O horário das 23 é tão bom como o horário das 10, como o das 9, como das 2 da tarde e meio dia. Não há horários melhores e horários piores. Há horários mediatos.

4 A Entrevista - Hugo Andrade

Mas esta nova estratégia da RTP faz com que Bem-Vindos a Beirais e Quem Quer Ser Milionário? fossem empurrados para mais tarde. Não teme que as audiências desses produtos desçam?

Isso vai ter que ser combatido. Toda a equipa olha para Beirais e vê ali uma equipa com capacidade de combater. Eles começaram com 200 e tal telespectadores e já vão com uma média de 800, 900 mil, e fazem aquilo com uma energia e vontade, uma dedicação e uma entrega. Vamos supor que sou o treinador. Para o treinador ter jogadores daqueles é ótimo e põe a jogá-los onde é preciso porque sabemos que eles jogam e eles jogam de facto. O projeto é bom. Uma vez ou outra, Beirais já é emitido fora do horário normal e nunca sofre grande oscilação, porque há de facto muita gente que escolhe Beirais como o seu programa da noite. E nós também lançamos Água de Mar nesta altura porque achamos que neste momento os dois programas que estão juntos de Água de Mar, que é o Telejornal e Beirais, estão suficientemente sólidos para nos ajudar a lançar. Não fazia sentido lançar esta série, por exemplo, há seis meses atrás, há um ano atrás. Beirais é o projeto mais importante da grelha de programação da RTP e vai continuar a ser; enquanto houver esforço, empenho e criatividade vai continuar, é maravilhoso, é um projeto altamente vencedor e é raro um projeto em televisão que teve o percurso que Beirais teve, portanto, é mesmo o programa mais importante na estrutura estratégica que temos na programação.

Falemos agora do percurso que a RTP tem estado a ter. Há um ano atrás, e com a entrada da GFK, o canal caiu nas audiências. Os tempos mudaram e hoje a grelha de programação da RTP está mais consolidada em termos de números.

Vou dizer uma coisa que se calhar não interessa nada: nós no último semestre, por exemplo, em prime time subimos 25%, mas em relação ao período homólogo subimos 61%; é altamente significativo. Também pode dizer que «ok, é porque estávamos muito baixos», é verdade, mas às vezes está-se baixo e continua-se a descer, às vezes está-se baixo e morre-se. Outras vezes está-se baixo e começa-se a fazer um trabalho planeado, pensado e consegue-se começar um processo de recuperação.

Agora que o Mundial terminou, o campeonato de futebol foi uma mais-valia para a estação pública?

O futebol ajuda-nos imenso a fazer médias, ajuda-nos como montra numa altura em que vem muita gente para a RTP. Para mim são os 365 dias do ano que me preocupam.

Mas o Mundial conseguiu dar a vice-liderança à RTP em junho, ultrapassando assim a SIC.

Sim, mas nos meses em que há futebol, não são meses importantes. Para mim o que é importante são os outros 11 meses.

Então, sem contar com este mês de futebol, que balanço é que faz de todo este percurso ascendente?

Nos vários horários, há subidas consideráveis, há vários públicos e isso depois da grande descida que tivemos em 2012, podia ter sido impossível, e acho que a RTP se mobilizou muito bem. Há um trabalho que eu gosto de dizer que é claro, toda a gente trabalha na RTP porque é mesmo. A RTP trabalha de forma muito cruzada entre todas as suas áreas, é um trabalho muito bem feito, muito bem planeado – desde a administração ao funcionário mais recente. Tem havido uma grande articulação, muito empenho e em momentos muito difíceis ainda por cima – a crise, com sempre muito ruído à volta da RTP, com uma descida de cinco pontos com a entrada da GFK no meio que ainda não corrigiu o que tinha a corrigir. Estamos sempre combatidos e sempre atentos ao que se passa ao nosso lado. Convém não nos adaptarmos e não estamos aqui à espera que as coisas se resolvam, estamos ativamente a trabalhar para que as coisas se resolvam em todas as áreas.

5 A Entrevista - Hugo AndradeFoi difícil reconstruir a RTP numa altura em que muitos davam-na como perdida?

A verdade é que houve uma mobilização e houve também uma coisa importante que foi desenhar um objetivo. Nós temos objetivos e estes estão a ser cumpridos. Em alguns casos, estão até a ser superados. Felizmente não temos casos em que não estão a ser atingidos, mas isso hoje corre bem, amanhã pode correr pior e temos que estar preparados para os vários cenários. Isto é um trabalho de toda a gente e a verdade é que a RTP se mobilizou (vou usar uma expressão) mesmo contra tudo e contra todos, mostrou que todos nós temos capacidade para ser um player ativo do que é necessário. Nós estamos satisfeitos mas estamos longe de chegar onde queremos.

A liderança é a meta a atingir?

Não é uma questão de liderança. Nós não queremos a liderança, nós queremos ser relevantes, nós queremos que as pessoas olhem para a RTP e digam «ok, esta é a estação pública do meu país, nós temos orgulho nesta estação, está aqui uma estação que confiamos e que tem coisas boas». É isso que nós queremos, ser relevantes e isso não significa ser primeiro, segundo ou terceiro. Não é a coisa mais importante Agora, ter um número de telespectadores de todas as faixas etárias que represente a população portuguesa, é isso que nós queremos.

Ficção, audiências e agora entretenimento. The Voice Portugal superou as expectativas?

Por acaso a primeira edição correu melhor do que as pessoas pensam, não se recordam muito bem dos números. Não correu tão mal quanto isso, até correu melhor que muita gente pensa, mas o programa não era equilibrado e não fomos nós que achamos, foi o mundo todo que comprou o The Voice e que o fez achou. Por isso é que ele sofreu grandes alterações até chegar aqui. É o risco dos programas que quando estreiam nos primeiros meses e os primeiros países a investir são geralmente cobaias, nós somos cobaias do The Voice. Neste momento o projeto, ele foi muito bem produzido na primeira vez, e agora também foi muito bem produzido.

6 A Entrevista - Hugo Andrade

Mas é inevitável dizer que o feedback que a primeira edição recebeu não tem nada a ver com o de agora.

Antes de mais, quando o projeto é bom, é bom. E o The Voice é um grande formato, depois tem uma produção espectacular, um grupo de mentores que funcionou muito bem entre eles, uma química extraordinária e tem também um casting ótimo. Acho que a ideia da RTP ter regressado aos grandes formatos, também trouxe-nos público que era novo, que já tinha passado na RTP algumas vezes e dizia «vamos lá ver como é que estes tipos fazem isto». Acabou por trazer uma boa onda.

Dá-lhe um maior gozo ultrapassar ou quase chegar à liderança da TVI nas noites de domingo?

Não, por acaso não. O que me dá gozo, e isto é mesmo real, é ter um projeto melhor do que a TVI e do que a SIC. Eu fico muito feliz e acho que também os meus colegas das outras estações pensam assim, embora publicamente depois não o digam, quando os meus concorrentes têm bons programas. Se todos nós conseguirmos ter bons programas, quem ganha é o público. É ótimo termos todos nós bons programas e eu fico mesmo todo satisfeito sinceramente. Nós queremos é fazer boa televisão e queremos com que as pessoas vejam o que mais gostam, é natural que cada um queira ser mais visto que o do lado, faz parte da vida- Mas o que eu acho, isto por causa da pergunta, se me deu mais gozo estar próxima da TVI… não, a mim deu-me gozo mostrar que se a RTP apostar em determinados formatos, também faz bem e também concorre. E quando quer ir por outra linha, vai. Não é uma incapacidade, é uma opção e é isso que é importante perceber. Às vezes nós não somos tão fortes em termos de resultados, por opção, porque nós queremos fazer outro estilo de programas. Quando fazemos uns géneros que são competitivos, mostramos que somos competitivos. Quando fazemos géneros que sabemos que são menos competitivos, fazemos porque queremos, não é porque não sabemos fazer. E acho que o The Voice mostrou isso. Nós fazemos tão bem como os outros.

7 A Entrevista - Hugo Andrade

A RTP vai apostar no The Voice Kids em setembro. Não acha que o facto de este ano os canais terem oferecido vários talent shows, pode comprometer as audiências da nova edição, isto é, esta não atingir os mesmos números que o The Voice Portugal?

The Voice Kids e The Voice Portugal são dois projetos completamente diferentes. Têm o mesmo nome, mas o conceito é completamente diferente. O formato é com crianças mas para adultos. Isto vai permitir ao The Voice sénior, digamos assim, descansar, vai descansar muito tempo e depois um dia irá voltar.

Para o ano…

Sim, mas para o ano não necessariamente no início do ano.

Mas porquê apostar no The Voice Kids contra outro programa de música (Factor X, da SIC) e também contra Casa dos Segredos 5 (TVI)?

O que mercado neste momento tem, pareceu-me aquilo que era mais interessante para a RTP ter como complemento daquilo que foi a estratégia deste ano, mas o formato kids é um formato que se faz de vez em quando.

Não seria melhor apostar numa terceira edição do The Voice Portugal, sendo ele um programa que os portugueses já conhecem?

Era muito em cima, ou seja, eram dois de seguida, duas vezes seguidas do mesmo formato não dava. Mas lá está aquilo que falava no princípio, a nossa diferenciação, se há um concorrente que tem um reality show, se há outro concorrente nosso que tem um formato de um determinado género, nós tentamos fazer aqui um complemento mas um complemento que agrade, e nós achamos que há aqui um espaço para um programa com miúdos porque normalmente é um programa que é vistos pelos netos e os avós não é? Nós achamos que este programa era… daquilo que está disponível no mercado, porque isto depois não é só quer, é preciso ter capacidade para adquirir, estarem disponíveis no mercado e existirem, eu acho que o mercado internacional neste momento não está muito rico.

David Soldado

david.soldado@atelevisao.com

Redactor.