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A Entrevista – Afonso Araújo | Emmy Internacional

Mário Rui Domingues
23 min leitura

Afonso Araújo

Natural de Queluz, Afonso Trindade de Araújo não esperava vir parar ao mundo da representação até ser abordado à saída da escola para se inscrever numa agência. Aos 24 anos, e com um curriculum relevante na área da representação, diz que o projeto que mais o marcou foi Lua Vermelha. Tem uma paixão pela área da Comunicação e Jornalismo, em que se licenciou este ano e frequenta o mestrado em Teatro no ramo de Artes Performativas. De todas as áreas em que já trabalhou como ator não consegue escolher uma porque adora fazer tudo o que esteja ligado à representação.

Leia em seguida a conversa que o A Televisão teve com Afonso Araújo.

A personagem Miguel, da sexta temporada de Morangos com Açúcar foi a tua rampa de lançamento para o mundo da representação. Como surgiu a oportunidade?

Depois de um ano a levar com nãos, fui aceite no casting dos Morangos. O casting era igual, praticamente, a todas as séries, em que consistia num telefonema à mãe a dizer que não podíamos ir jantar a casa. A seguir ao casting havia uma pré-seleção, em que consistia em fazer um workshop antes de entrar para a série. E nesse workshop, que teve a duração de seis meses para mim, e que normalmente era de três, mas como queriam que eu entrasse na série de inverno e não na de verão, acabei por fazer os seis meses. Fiquei com o Miguel que foi a minha primeira experiência em televisão e em tudo. E como uma primeira experiência foi tudo uma novidade para mim, onde aprendi as primeiras coisas. E agradeço muito por me terem dado essa oportunidade. O Miguel foi o primeiro, e se Deus quiser hão-de vir muitos mais.

Que recordações guardas desses tempos?

Como estava a dizer-te, foi o primeiro projeto, logo tem uma importância especial, em que tenho recordações muito presentes e boas. Na altura lembro-me que fiquei espantado, talvez devido ao facto de durante a nossa infância, nós vermos os Morangos, e de repente fazer parte daquela série que já tinha reputação, e que os miúdos gostavam de ver. Fazer parte desse projeto foi muito bom. Fiz alguns amigos que ainda hoje falo, como o Marco [Menezes] que fez de Jimmy na altura. Nós em televisão, normalmente, construímos uma família durante sete meses, em que depois participam noutros projetos e acabam por desligar-se um pouco uns dos outros. Como foi uma primeira experiência e o que sei até hoje teve ali o começo, por isso é especial nesse sentido.

A tua personagem praticava parkour. Como fazias as cenas em que tinhas de mostrar o Miguel como atleta dessa modalidade?

Isso foi uma complicação. Antes de começar um projeto televisivo, temos ensaios a nível de interpretação da personagem, e neste caso treinos de parkour porque a minha personagem praticava essa modalidade. Foi complicado porque não tenho, propriamente, muito jeito para a modalidade. Lembro-me que eu, a Rita Jardim [que fazia a Fred] e o Pedro Ferreira [o Joel], andávamos sempre com pessoas que faziam parkour, em que começamos com treinos no Liceu Maria Amália (onde eram gravadas as cenas) numa sala e num ginásio. E depois íamos para a rua, lembro-me que uma vez caí no Parque das Nações, onde acabei por aleijar-me a sério, mas acabou por correr tudo bem. Nós tínhamos duplos em cenas mais complicadas. Com mais ou menos jeito tive que aprender a modalidade mas foi engraçado porque não conhecia a modalidade. O parkour não é um desporto mas sim uma forma de vida, que defendíamos na altura, e as pessoas que praticam também o defendem.

Depois dos Morangos, representaste a personagem Filipe, em Lua Vermelha, que apesar de retratar uma temática que estava na moda na altura – o mundo dos vampiros e do sobrenatural – tinha moldes semelhantes aos Morangos com Açúcar. Como foi a experiência?

Tenho boa recordações da experiência dos Morangos. Mas a Lua Vermelha foi o projeto mais marcante que eu fiz até agora. O Filipe foi de facto muito importante para mim porque era uma personagem muito versátil até em termos emocionais. Era uma personagem versátil, muito rica, enquanto havia os vampiros e era muito daquilo, o Filipe era uma personagem muito ampla, tanto era o «engatatão», como era o «gozão», também era amigo dos mais fracos e, também, tinha a questão da mãe como professora.

Queres dizer que o Filipe era uma personagem complexa.

Sim, complexa no bom sentido, que permitia chegar a diversos estados emocionais. A personagem tinha uma boa relevância na história. E foi aí que eu gravei mais, o que fez com que tivesse maior contacto com os restantes atores e equipa técnica. Durante oito meses gravávamos da 8:00 às 20:00 ou das 14:00 às 2:00 da manhã. Foi muito duro mas foi bom porque davamo-nos bem, apesar de ser um cliché dizer isso, mas éramos quase uma família porque éramos próximos e passávamos muito tempo juntos em que chegava a almoçar e a jantar lá. Estava mais tempo com eles do que com a minha própria família, porque passava pouco tempo em casa. Foi um projeto muito giro mas que não teve o devido tratamento por parte do canal (SIC), mas isso não nos diz respeito. E tenho muitas saudades do projeto, se fizessem uma segunda temporada com os mesmos atores acho que era brutal, gostei de trabalhar com toda a equipa e foi a minha primeira experiência na SP Televisão, enquanto a anterior com os Morangos foi na Plural.

Esta tua personagem era praticante de rugby, alguma vez tinhas praticado este desporto antes?

Mais um desafio que para mim foi um bocado mais acessível, porque já tenho uma certa noção de como era e tenho amigos meus que praticam a modalidade. Eu nunca joguei. Percebe-se porquê. Porque sou muito magrinho. Tivemos treinos, [para] saber as regras e coisas simples. Nós tínhamos cenas , gravadas na Agronomia, em que o Filipe tinha de pontuar e percorrer o meio campo e passar por toda a gente, e essas cenas eram ensaiadas para não parecer uma coisa falsa. Os treinos eram feitos com atletas da seleção de rugby na altura.

Tal como os Morangos, era uma série direcionada para o público juvenil, em que a ação se passava num colégio interno, retratando a temática da adolescência, o bullying, a violência doméstica, a homossexualidade. Como vês estes temas retratados na ficção televisiva, atualmente?

As pessoas falam das novelas às vezes com algum desdém. E eu não concordo muito com isso porque reconheço que a telenovela é um género televisivo muito peculiar. O mais importante das telenovelas e quando elas são boas é por representar o que se passa na atualidade, sendo bom ou mau. A telenovela pode funcionar como um alerta do que está a acontecer na realidade. É um produto ficcional, que ganha quando retrata a casa, a escola e a empresa, sendo o papel principal das telenovelas. Há novelas que já perceberam isso e retratam o real e o quotidiano. O que não acontecia até agora, era as pessoas identificarem-se com as histórias das novelas, em que antes havia os muitos ricos e agora chegam a retratar a classe média e a classe mais pobre e a tratar assuntos como o racismo e a corrupção. Isso é essencial porque a realidade ganha um valor na ficção.

O teu último projeto de longa duração da telenovela Mulheres retratava uma personagem heterossexual (Daniel), que se envolvia com um homossexual por interesse (Hélder), interpretado pelo Virgílio Castelo. Em que medida foi um desafio compor essa personagem?

Foi um desafio por várias razões, desde logo contracenar com o Virgílio [Castelo]. Para um ator novo como eu, quando soube fiquei muito contente. Logo por isso percebi que tinha uma responsabilidade grande. Quanto à personagem tem uma nuance muito engraçada e interessante que também é real e que acontece muito, apesar de falar-se pouco. A relação do Daniel e do Hélder é muito presente, apesar de haver pouco diálogo… isto existe. Para compor a personagem foi como as outras: pesquisei. Mas foi sobretudo uma personagem que viveu muito da história e do que ia acontecendo. Tenho pena que não tenha sido mais explorado, acho que podia ter sido mais abordado mas mais uma vez foi a decisão do canal (TVI) e temos que aceitar isso. Mas o que fiz deu-me gozo mesmo sendo pouco ou muito e aprendi muito com o Virgílio [Castelo].

Gostas de interpretar papéis que tenham uma mensagem social relevante – neste caso, a homossexualidade?

Sim, claro. A minha personagem não retratava a homossexualidade mas acho que si, que é uma realidade cada vez mais constante. Voltando ao tema de há bocado, se é real, nós vemos isso todos os dias e é algo perfeitamente normal. Sendo algo encarado como uma coisa do quotidiano porquê não retratar numa telenovela. Eu representar um heterossexual, um homossexual, um assaltante, ou um skinhead como já fiz n’ A Única Mulher, para mim o importante é a personagem. Se a personagem é isto, é isto que tem que ser. Às vezes perguntam-me se dava um beijo na boca, e não sou eu que está a dar um beijo é a minha personagem. Se fosse eu punha em causa a minha pessoa.

Como no caso d’ O Beijo do Escorpião em que havia cenas mais íntimas com as personagens gays interpretadas pelo Pedro Carvalho e Duarte Gomes.

É ótimo e deve haver isso. Se faz confusão a algumas pessoas, que é normal que faça, porque há pessoas que não têm uma mente tão aberta. Esse tipo de exemplos é bom para que as pessoas vejam que é uma coisa normal e começarem a habituar-se.

Como recebeste a notícia da nomeação para um Emmy de Mulheres? O que achas que distinguiu a novela para ser nomeada?

A novela em si tinha um núcleo de atores muito bom. E tu dizes-me há isso em todas as novelas. Mas mais [do que] a questão dos atores serem bons individualmente, foi construído um elenco que se entrosava muito bem, ou seja, os núcleos foram bem construídos. E para além disso, a própria história da novela foi uma adaptação colombiana, também, caiu muito bem. As pessoas criticam muito que as telenovelas escritas cá com autoria portuguesa não são tão boas, e eu tenho algumas dúvidas acerca disso. Mas acho que esta adaptação foi bem conseguida, o coordenador de projeto – Jorge Queiroga – fez um trabalho espetacular, como todos os outros realizadores. E o segredo esteve na dedicação das pessoas, são atores bons e há atores bons em todas as novelas, é verdade, [mas] julgo que os núcleos foram bem construídos. E foi tudo o resto, o drama e a história.

E os temas sociais que aborda?

Sobretudo no meu caso da questão do interesse. E isso de andar com uma pessoa por interesse não reflete só na homossexualidade, mas também na heterossexualidade. No interesse de persuadir alguém em busca de determinado objetivo. A questão da violência doméstica entre as personagens da Jessica [Athayde] e do Luís Gaspar. A questão da traição e infidelidade da personagem Armando interpretada pelo Manuel Wiborg, que traia a personagem da Maria Rueff. São temas muito presentes que leva à questão das dificuldades nos casais e, sobretudo, a sua relação. Uma coisa má, que não acontece agora tanto nas telenovelas, mas mais nos filmes, é retratar a felicidade. A vida não é um poço de felicidade. A vida tem muitos «menos bons», «maus» e «péssimos». Se as pessoas tiverem esse alerta do que se passa na realidade, ficam mais cientes e mais a perceber melhor o que rodeia, não ficando tão sozinhas.

Enquanto um filme dura entre 1:30 a 2:00, uma novela pode estar um ano no ar.

Uma novela tem de sobreviver assim. 200 episódios numa novela contam-se em duas horas. As pessoas andam à espera da mudança, o que pode levar 20 episódios a acontecer. As novelas têm uma linha muito continua com picos. Uma novela muito linear do principio ao fim pode não agarrar o espectador.

Mesmo tendo concorrência forte, achas que podem trazer o terceiro troféu para Portugal, e o segundo para a TVI e a Plural?

Acho que sim e a esperança é a última a morrer. A Plural já recebeu um Emmy. A SP Televisão este ano não está nomeada. Era ótimo porque as novelas hoje em dia são melhor feitas que há uns anos. Estamos a melhorar muito nessa área quer a nível de atores, realização, sobretudo de realização e direção de projetos. As nossas novelas estão a atingir um nível bastante positivo mas se isso se traduz em prémios… Os prémios são sempre bons, mas são só prémios. Era bom que venha para Portugal quer seja na Plural, quer seja na SP.

Mais recentemente, interpretaste um skinhead em A Única Mulher, em que tinha de alvejar o Alberto Venâncio, a mando de Pilar Sacramento, personagens interpretadas por Ângelo Torres e Alexandra Lencastre, respetivamente. Foi-te desafiante fazer este papel?

Apesar de ser uma pequena participação, deu-me gozo. Foi engraçado, também porque foi a primeira vez que rapei o cabelo, uma coisa que nunca tinha feito. Se não fosse por trabalho não tinha feito. E primeiro a questão física da aparência e depois a questão de ser skinhead, numa novela com uma forte componente angolana. Foi giro porque não tenho amigos skinheads. Acho importante a TVI mostrar esse lado, apesar de ser uma personagem distante de mim porque não sou racista e não me identifico com as suas ideologias. Não nos identificamos mas quando aparece fazemos e acabam por ser as mais giras por serem as mais desafiantes. É tipo: eu não faria de skinhead e de repente vou representar um. Tenho pena em ser uma curta participação, mas isso mais uma vez não depende de mim.

Acabaste de concluir a licenciatura em Comunicação e Jornalismo da Universidade Lusófona. O que te levou a procurar formação académica nesta área?

Hoje em dia nós tentamos procurar algo que nos dê estabilidade, [apesar de que] não há nada que nos dê estabilidade totalmente. Quando fui ao curso já tinha feito televisão. Fiquei na dúvida em seguir formação enquanto ator no Conservatório ou seguir Comunicação e Jornalismo, que foi algo que esteve presente na minha vida antes de entrar neste mundo. Gosto de comunicar, de falar, de conhecer estórias , sou curioso, gosto de conhecer pessoas. Acabei por enveredar pela comunicação, em que não me arrependo nada porque gostei muito do curso. E agora estou a ganhar formação enquanto ator, futuro ator que me quero tornar. E acho que pode haver uma relação enquanto ator e a comunicação, sobretudo na curiosidade, na capacidade de observação. Nós enquanto atores temos uma capacidade de observação muito forte, que é através disso que conseguimos criar e recriar. E para o jornalista, como saberás muito bem, a observação é importante no relato dos factos com maior veracidade possível. Comunicar é algo que adoro, não me arrependo nada, tenho o curso e hei-de ganhar mais formação na área do jornalismo e agora estou em teatro.

No futuro, esperas focar-te mais no jornalismo ou na representação?

São duas paixões minhas, não consigo sobressair nenhuma delas. Quero ter formação nas duas, estar seguro a fazer a duas coisas. E estou um passo mais à frente em relação ao jornalismo porque já estudei para isso. Estamos em constante aprendizagem, tenciono formar-me mais e mais em ambas as áreas. É uma pergunta complicada, não te consigo responder a isso, podem convidar-me para um projeto televisivo ou receber uma proposta para ir trabalhar para um canal, por isso tenho que pensar. Um dia de cada vez, é como tenho vivido agora.

Agora estás a frequentar o mestrado em teatro, no ramo de Artes Performativas, na Escola Superior de Teatro e Cinema. Achas que é sempre uma mais valia, aprofundar e adquirir conhecimentos na representação?

Claro que sim, se não não estaria lá. É um mestrado importante porque é teórico com uma componente prática, o que me interessa a mim também. Tendo em conta que a minha formação enquanto ator, sobretudo, em teatro é reduzida. Tem sido interessante procurar coisas giras e novas porque as artes performativas englobam outras áreas como a pintura e a música, com maior ênfase no teatro, senão não era no conservatório de teatro. Um ator é quase um puzzle não chegando a ser completo. Quanto maior bagagem cultural o ator tiver, só tem a ganhar com isso.

Já fizeste televisão, teatro e cinema. Se tivesses de escolher apenas uma, qual seria?

Eu gosto de fazer tudo porque é trabalho, faço tudo com o mesmo amor, paixão e dedicação. Eu fiz teatro infantil e adorei fazer porque é muito generoso . E as crianças são um público verdadeiro. Se não acharem graça, não se riem. Adorei fazer teatro e aprendi muito, por isso é que estou agora a estudar nessa área. Adoro fazer televisão, adoro publicidade… não te consigo dizer, ou seja gosto de fazer tudo. Fico felicíssimo quando me chamam para um anúncio ou para fazer um espetáculo e para um projeto televisivo. Trabalho também como locutor há alguns anos em rádio, dobragens ainda não fiz. É uma coisa muito pequenina porque deslocamo-nos ao estúdio e fazemos aquilo em meia hora, uma hora, porque dá pica devido à adrenalina. Também é a mesma adrenalina que a televisão tem que me dá pica. Reconhecendo que a perfeição há menos em televisão porque não há tempo para que ela exista. No teatro tem-se tempo, no cinema também. Em cinema só fiz curtas metragens, a minha experiência em cinema também é reduzida de todas as áreas é a experiência mais distante que eu tenho. Mas é trabalho e enquanto atores temos de estar preparados para fazer tudo, e eu sinceramente gosto de fazer tudo, tenho paixão por todas as áreas.

Esta noite serão entregues os Emmy Internacionais nos EUA. Mulheres é a candidata portuguesa na categoria de Melhor Telenovela, na qual Afonso Araújo participou. Recorde ainda, antes da cerimónia, a entrevista com a vilã de Jikulumessu, Marta Faial, outra das concorrentes a esta distinção.

Redactor.