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A Entrevista – João Cotrim de Figueiredo

A Televisão
23 min leitura

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No âmbito das comemorações dos 20 anos da TVI, celebrados no decorrer desta última semana, A Televisão apresenta-lhe, hoje, uma conversa exclusiva tida com um dos últimos diretores-gerais do canal de Queluz de Baixo. João Cotrim de Figueiredo esteve ao serviço da TVI durante 18 meses, foi responsável pela entrada de Fátima Lopes para o entretenimento da casa e despediu-se de Júlia Pinheiro, hoje a estrela maior da SIC. É precisamente à apresentadora de Querida Júlia (SIC) que João Cotrim de Figueiredo não poupa críticas. «Ela não foi leal para a TVI porque já sabia que ia para a SIC quando aceitou fazer a primeira Casa dos Segredos», atira o homem que se confessa com saudades do mundo da televisão. Eis A Entrevista com João Cotrim de Figueiredo:

A Televisão – De onde surgiu o seu interesse pela televisão?
João Cotrim de Figueiredo – A pergunta devia ser como é que apareceu o interesse da televisão em mim! Nunca tinha pensado em gerir uma televisão até ser convidado, para ser franco.

Então o que o levou a abraçar um projeto como o da TVI?
Quando me convidaram, pedi uns dias para pensar, exatamente por se tratar de um projeto diferente. Falei com algumas pessoas, falei com os meus botões, também, li sobre o setor e, no fim, achei que era capaz de fazer um bom lugar e que era um daqueles desafios que não podia recusar.

[pullquote_left]O que mais me surpreendeu na TVI foi a forma como encontrei as pessoas: completamente perdidas e com pouca autonomia[/pullquote_left]

Quais foram as principais «feridas» que encontrou na TVI? Ainda encontrou algum descontentamento pela ausência de José Eduardo Moniz?
Sim, a figura de Moniz era invocada às vezes. Foi uma pessoa que marcou muito aquela estação, foi responsável por trazer a TVI até à liderança, esteve lá mais de 10 anos, e é natural que deixasse saudades. Mas era sobretudo um diretor de programação, um operacional de televisão. Não tinha pachorra nenhuma para contratos e orçamentos e detalhes da organização. Compreendo-o muito bem, também sou um bocado assim! Mas o que me surpreendeu mais quando lá cheguei nem foi a falta de organização e as guerrinhas internas. Foi a forma como senti a generalidade das pessoas, a maioria boas profissionais, completamente perdidas e com pouca autonomia, ficavam à espera que um chefe decidisse por elas. Tinham-se habituado a essa forma de serem geridas. Achei péssimo!

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Quais eram as suas principais intenções no decorrer da sua missão na TVI?
Havia várias coisas importantes. Umas de importância imediata, que tinham a ver com arrumar a casa e motivar as pessoas com vista a reforçar a liderança da TVI. Outras de maior alcance, como a estratégia face à TDT, o relacionamento com as plataformas de distribuição MEO e ZON, o lançamento de canais no cabo e o aproveitamento das sinergias com outras áreas do grupo Media Capital. Mas depressa percebi que o essencial era conseguir motivar as pessoas para voltarem a ter orgulho de fazer parte de uma estação que nos anos anteriores só tinha estado nas bocas do mundo pelos maus motivos. Lembro-me de que na altura em que entrei estavam a decorrer as audições no Parlamento sobre o caso PT/TVI, era um circo diário…

Na altura em que chefiava a TVI, despediu-se de Júlia Pinheiro. O que ganhou e perdeu a TVI com este adeus?
Quer dizer, a Júlia é que se despediu… Despediu-se e não foi leal nem para com a estação nem para comigo, porque ela já sabia que ia para a SIC quando aceitou fazer a primeira Casa dos Segredos. Tinha tudo combinado com a SIC há meses, mas achou que sairia em glória se fizesse o programa antes de sair. Falei com ela muito abertamente várias vezes durante essa fase e falámos disto tudo. Ela pode confirmar – esta é a verdade. Tive pena porque acho que teria acabado por fazer uma boa dupla com a Júlia e ela teria evoluído também como profissional.

E com a entrada de Fátima Lopes?
Foi a primeira apresentadora que contratei nas minhas funções e devo dizer que acho a Fátima Lopes uma excelente profissional e uma excelente pessoa. Foi um prazer enorme ter tido a oportunidade de trabalhar com ela. A Fátima trouxe à TVI trunfos importantes para os horários da tarde, primeiro com o Agora é Que Conta e depois com o A Tarde é Sua. E sempre demonstrou grande vontade de aprender a encaixar-se no espírito da TVI, não tem qualquer tique de vedeta, nem faz joguinhos. Só tenho coisas boas a dizer dela.

Falou-se, na altura, que estas movimentações foram estrategicamente planeadas. É verdade?
Não havia estratégia nenhuma, havia espaço para todos na grelha.

[pullquote_right]A entrada de José Fragoso foi uma despromoção para mim.[/pullquote_right]

Por sua vez, a entrada de José Fragoso levou a uma especulação imensa na imprensa. Aceitou por bem a entrada deste para a direção?
A TVI tinha necessidade de um diretor de programas, era eu próprio que estava a acumular essa área desde a saída do André Cerqueira e isso não poderia continuar muito tempo. Mas a negociação com o Fragoso foi feita diretamente com a administração e só quando ele entra é que me é comunicado pelo Bernardo Bairrão o que ele não iria reportar a mim.

Pensou na altura que se tratou de uma «despromoção» para o João, por não acreditarem no seu trabalho?
Claro que era uma despromoção! Falei com a administração e com o Zé Fragoso e a coisa ficou mais ou menos sanada naquela altura. Mas o arranjo só durou o verão. Entretanto chegou a nova administradora que percebi logo que queria fazer umas limpezas até para poupar dinheiro.

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Quais foram as razões que o levaram a abandonar a direção da TVI, 18 meses depois de lá chegar?
Acho que os espanhóis da Prisa estão muito pressionados pela situação financeira que têm em Espanha e precisavam de cortar custos desse por onde desse. Eu era um alvo apetecível, até porque começou a ser evidente que havia divergências estratégicas com o acionista e eu tinha começado a fazer frente a uma série de cortes que na minha opinião iam contra o DNA da TVI. A gota de água foi o cancelamento da Gala de Natal em 2011, decidida por gente que não fazia ideia da importância que isso tinha para as pessoas da TVI e da Plural. Curiosamente em 2012 houve gala outra vez. Devem ter caído em si… Confesso que gostei de ver a gala, tive saudades de tanta gente.

As suas relações com José Fragoso e André Cerqueira tiveram «peso» na sua demissão?
Com o André, não, com o Fragoso, não sei.

Com o comunicado da sua demissão, apanhou muitos colegas de surpresa. Como reagiram eles?
Pois, imagino que possa ter apanhado de surpresa mas eu não podia partilhar as minhas angústias com quem trabalha comigo. Um líder não faz isso! Mandei uma mensagem pessoal a dez ou 15 pessoas mais próximas para aí uma hora antes do comunicado, mas foi só um toque de cortesia. Não podia fazer diferente. Não foram uns dias nada fáceis. Lembro-me que nesse fim-de-semana, inaugurámos as novas instalações da Plural, eu já sabia que ia sair e custou-me horrores não me poder despedir devidamente daquela gente maravilhosa. Quanto às reações, recebi durante muitos dias, dezenas e dezenas de mensagens que me emocionaram muito. Talvez seja uma das coisas de que sinta mais saudades em televisão, essa capacidade que muitos têm de emocionar, e de se emocionarem. Haverá alguns postiços, mas há muita gente genuína.

[pullquote_right]Com José Fragoso, aquilo foi um desastre.[/pullquote_right]

A sua demissão levou a que Fragoso ocupasse o seu posto. Esquecendo a política correta, como viu o trabalho desenvolvido pelo antigo diretor de programas da RTP?
Depois de sair, fiz questão de não querer saber de pormenores da gestão diária. Mas acompanhei com atenção e fiquei contente com o lançamento dos canais no cabo e das alterações nas tardes do fim de semana. Acho é que do ponto de vista de gestão, e sobretudo da gestão de pessoas, aquilo foi um desastre. Os chefes não saíam do gabinete, não conheciam as pessoas, a distância era enorme. Isso conduz a más decisões e à destruição de um enorme ativo da TVI que é o espírito de família que sempre teve e que acho que reconhecem que eu tentei sempre, ao contrário de outros, manter. Não se trata de ser um gajo porreiro. Pode-se perfeitamente tratar bem as pessoas mantendo a autoridade, o respeito e a capacidade de tomar medidas difíceis.

Sabendo o João das dificuldades deste importante cargo, acredita nas razões avançadas por José Fragoso pelo seu afastamento?
Não sei, mas como alegadamente estão questões de saúde envolvidas, prefiro nem sequer especular.

Que relação mantinha e mantém com André Cerqueira?
Enquanto o André foi meu diretor de programas tive uma ótima relação com ele, travámos várias batalhas juntos, enfrentámos muitas adversidades e ganhámos. Gostei muito de trabalhar com o André e, da minha parte, ele sempre contou com apoio e frontalidade. Depois ele foi para o Brasil acompanhar a doença do pai e, quando voltou, ficou só na Plural. Aí deixámos de nos falar tanto, e vinham-me dizer que ele estava insatisfeito com a TVI, ou comigo, por causa das encomendas à Plural. Se era uma coisa mais pessoal, não sei, ele nunca me disse.

[pullquote_left]A TVI tornou-se numa empresa fria e impessoal.[/pullquote_left]

Viraram as costas na altura em que o João defendia a diminuição de novelas em horário nobre para duas. Que filosofia queria seguir?
Divergimos nisso, é natural, eu defendia os interesses da TVI que comprava novelas e ele os interesses da Plural que vendia as novelas. Mas devo corrigi-lo: eu só defendi a passagem a duas novelas em prime time durante a exibição do Secret Story, porque estávamos a emitir 20 minutos de cada novela e mesmo assim acabávamos o Extra do Secret Story depois da uma da manhã. Não fazia sentido nenhum! E era um desrespeito pelos nossos espetadores. No resto do ano mantinham-se as três novelas. E a ideia não deve ser assim tão má, porque ainda agora durante a edição da Casa de 2012 fizeram a mesma coisa…

A TVI mantém ainda hoje as três novelas. É esta «saturação», que referiu na altura, que impede a TVI de, atualmente, liderar?
Se fosse saturação, não perdia o prime para a SIC com exatamente a mesma grelha. Aqui é que entra a importância de reconhecer que na ficção o mais importante é contar uma grande história. Para isso é preciso trabalhar com gente muito talentosa – atores, guionistas, cenógrafos, técnicos vários – mas com quem nem sempre é fácil lidar. E todos esses talentos deixaram de ser seguidos, acarinhados e, às vezes, até reconhecidos pela TVI. Acho que se tornou numa empresa fria e impessoal e isso paga-se na qualidade, quer da ficção, quer do entretenimento.

Como tem olhado para a prestação de Luís Cunha Velho que, curiosamente, sobreviveu a muitas das quedas na cadeira maior da direção da TVI?
O Luís é uma das pessoas que mais conhece de televisão em Portugal e ajudou-me muito enquanto lá estive, mesmo se tivemos muitas discussões acaloradas. Desejo-lhe todas as felicidades porque ele tem o espírito da TVI e isso é muito importante. Já que falamos no Luís, ele não me levará a mal que o aconselhe a ter cuidado as exigências que vêm de Espanha, que se mantenha perto das pessoas e que esteja aberto a experimentar novas fórmulas de continuar o sucesso da TVI.

Era notória a amizade que nutria pela Cristina Ferreira e pelo Manuel Luís Goucha. Eles são a única garantia atual da liderança da TVI?
Notava-se assim tanto, era? Gosto mesmo muito dos dois, uns profissionalões e umas pessoas de primeira. Logo ao princípio, tive de renegociar o contrato com cada um e não foram negociações fáceis. Mas acho que, logo aí, eles reconheceram que, embora sendo duro na defesa dos interesses da TVI, eu era justo e um homem de palavra. Devolveram-me em dobro o carinho e a confiança que neles depositei.

Acredita que eles possam vir a pertencer aos quadros da SIC?
Não sei se a situação financeira da SIC permite isso, mas se a TVI não os souber reter e cativar não acho impossível.

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A crise dificultou a renovação dos contratos de exclusividade. Foi consequência de uma má gestão anterior?
A TVI gastava umas valentes centenas de milhares de euros em contratos de exclusividade, era uma coisa que não era sustentável, especialmente porque a realidade veio mostrar que, nas alturas de renovação, tão importante como as condições financeiras eram as relações de confiança e de proximidade com as pessoas da casa. Foi isso que correu mal. Eu insisti para que a TVI, e eu próprio em especial, pudesse estar mais perto da Plural e dos atores e transmitir-lhes essa confiança como fiz com as pessoas chave na TVI. Optaram por outro modelo e o resultado está à vista.

A ficção foi das áreas mais criticadas na fase em que o João saiu. O que aconteceu para esta queda significativa?
Aconteceu o que acabei de dizer: a TVI ficou demasiado longe da Plural, ou a Plural da TVI, não sei bem. As pessoas deixaram de se conhecer e de confiar umas nas outras.

Foi a TVI que piorou a sua qualidade ficcional ou foi a SIC que melhorou, passando hoje a liderar o horário nobre completo?
Acho que foi um pouco de ambos, mas convém não esquecer o contributo das novelas brasileiras para o atual sucesso da SIC. Estou convencido que a TVI pode voltar a liderar, mas também depende do alcance das recentes mexidas na Plural, que ainda não percebi bem.

Já teve oportunidade de espreitar Destinos Cruzados?
Vi o primeiro episódio e vejo um ou outro por semana.

E como olha para os seus resultados, sendo que foi uma produção anunciada como o regresso à grande ficção de qualidade da TVI?
Não tenho dúvida que a TVI esperava resultados melhores. Eu gosto da novela, não será a melhor de sempre, mas é uma boa novela e está cheia de estrelas. Mas posso estar a ser tendencioso porque sou um grande fã do António Barreira [n.r.: autor de Destinos Cruzados].

A polémica das audiências surgiu já o João estava afastado da televisão. Que problemas observa no atual trabalho da GfK?
Não conheço a natureza dos problemas da GfK em pormenor, mas pelo que me dizem são sobretudo de origem técnica relacionada com a juventude da tecnologia. Mas fala-se muito dos problemas da GfK agora e esquecem-se dos problemas da Marktest no passado que também eram graves e não tinham a desculpa de o sistema ser novo ou tecnologicamente avançado.

Foram de certa forma os resultados frágeis da TVI na GfK que a levaram a reconsiderar os valores da Marktest?
A essa pergunta só quem lá está é que pode responder…

Gostou de assistir à gala dos 20 anos da TVI no CCB?
Gostei imenso! Não sei de quem partiu a ideia de convidar todos os ex-diretores, mas achei que foi um gesto de maturidade por parte da TVI e de um certo respeito institucional. Independentemente das opiniões que eu possa ter ou das divergências pessoais que conduziram à minha saída, tenho o maior orgulho em ter estado ligado ao percurso daquela casa. Portanto, embora a decisão de ir tenha gerado em mim uma certa ambivalência, achei que era uma forma de homenagear o trabalho e o esforço de muitas pessoas que eu estimo.

[pullquote_left]O convite para a gala dos 20 anos foi um gesto de maturidade por parte da TVI.[/pullquote_left]

Poucos dias depois da TVI ter celebrado esses 20 anos de existência, pergunto-lhe: o que de melhor e pior tem a TVI?
O melhor são certamente as pessoas, do melhor que já encontrei nos sítios por onde passei. Não conheço melhor direção comercial, por exemplo. Ou a área técnica que faz milagres. E a direção criativa que é do outro mundo. Enfim, nem devia estar a particularizar porque vou ser injusto para quem não mencione, para todas aquelas pessoas que atrás das câmaras dão o litro pela TVI. Ah, e não me quero esquecer da informação, tantos jornalistas bons que nem sempre têm o reconhecimento que merecem. Do lado negativo tenho de dizer que o pior é a total falta de gestão de pessoas, gera um desgaste e uma desmotivação que acaba por se refletir na qualidade do trabalho final.

Que desejos tem para a TVI?
Desejo tudo de bom, mais 20 anos de sucessos para aquela gente que tanto tem sofrido e tão pouco reconhecida é. Agora, quero dizer uma coisa importante e não é porque tenha alguma informação privilegiada, é só porque ando nisto há uns anitos e fui aprendendo umas coisas: estou convencido que a Prisa irá, mais cedo do que se imagina, ter de vender a Media Capital. Se isso acontecer, espero que quem comprar perceba de televisão, seja português, de preferência, e dê às centenas de bons profissionais da TVI esperança, respeito e perspetivas de poder fazer um trabalho de qualidade.

Não tem saudades da televisão e de dirigir um projeto de grandiosidade importância?
Tenho muitas saudades da televisão! Mas é pelas pessoas que lá deixei e pela memória das batalhas que travei, não é pela grandiosidade ou pelo glamour da coisa. Atenção, não ouçam nisto qualquer intenção de voltar à televisão. Fizeram-me a pergunta e eu respondo com o coração: também gosto muito do que ando a fazer agora, mas tenho saudades da televisão, sim!

E quais têm sido as suas ocupações?
Tenho-me dedicado à gestão de investimentos que tenho na área das aplicações digitais e na Jason, uma empresa gestora de recursos humanos que tem inovado constantemente no mercado. Voltei a colaborar nas universidades, no Lisbon MBA, recentemente entrado no top do ranking do Financial Times, e numa coisa nova muito estimulante que é o recém-criado Center for Positive Leadership da Universidade Nova. Estou a escrever semanalmente no Diário Económico e a comentar a atualidade no Económico TV. E tenho mais uns projetos que se saberão a seu tempo!

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