Até ao dia de ontem, tanto dos lados de Carnaxide, como de Queluz de Baixo, as reações às alegadas falhas da GfK eram quase que inexistentes. Curiosamente, desde ontem que o canal de Queluz de Baixo se começou a manifestar e já disse, inclusivamente, que não vai continuar a trabalhar com a actual empresa.
Antes disso, quarta-feira, A Televisão esteve à conversa com o diretor de programas da televisão do estado, que comentou a impacividade das outras duas televisões, sem, contudo, referir nomes. Eis o que disse Hugo Andrade sobre toda a polémica.
As falhas no sistema
“Há duas maneiras para responder a isso. Uma é a brincar. A brincar, fiquei contente por saber que o Sporting tem muito mais adeptos do que o Benfica. (risos) Agora, a sério, com preocupação. E a minha preocupação devia ser a preocupação de todos, neste meio, é a de que a coisa seja bem feita, independentemente de nos penalizar mais, ou de nos penalizar menos. A única coisa que eu acho é que estamos num mercado que envolve muito, muito dinheiro, e mais do que isso, muita gente, muitas famílias, que vivem deste meio e que esta incompetência põe em causa. Eu preocupa-me saber que estamos em 2012 e que vivemos num país que não consegue fazer a coisa mais simples do mundo e que não consegue fazer a coisa mais simples do mundo que é pegar num sistema credível de medição de audiências e pô-lo a funcionar. E as pessoas acharem que isso é normal! Não é! Como eu acho que o mercado tem que se controlar e reger por uma coisa competente e o mercado não é apenas as televisões, são as televisões, rádios, jornais, revistas, todo o nosso meio, todos nós vivemos em roda desta medição. Se ela não for competente, a vida profissional de todos nós está em causa e eu não gosto de ter a minha vida profissional e a vida dos meus companheiros, amigos, em causa, porque alguém anda a brincar. Deixem de brincar, façam as coisas bem feitas e rapidamente. Se no fim disto nós tivermos menos resultado ainda do que temos hoje, vamos ter que trabalhar ainda mais do que estamos a trabalhar hoje. E é isso que fazemos. Mas ficamos de consciência tranquila por prestarmos um bom serviço ao mercado e a todo o mercado, porque esta aparente estabilidade do mercado é só enquanto alguns estiverem melhor, porque assim que estiverem pior também vão começar a ficar nervosos e vão começar a reagir. Isto é só aparente e, como nós não queremos que isto se prolongue por muito tempo, porque isto tem que ser sério, não pode só parecer. E a minha seriedade aqui não tem que ver com a seriedade das pessoas, que nunca questionei. Tem que ver com a seriedade dos processos e com a competência. Porque nós quando fazemos mal o nosso trabalho, chamam-nos a atenção e temos que ter o direito de chamar os outros à atenção porque fazem mal o trabalho deles”
O prejuízo da RTP
“É brutal, há conteúdos nossos que numa medição e na outra têm metade do público, metade é muito. Não tenho maneira de classificar isso, porque eu nunca pensei que isso fosse possível. Isto que está a acontecer é muito terceiro-mundista, mas nós somos um país evoluído e não quero acreditar que as pessoas estão perante um cenário que é completamente errado e encolhem os ombros e dizem ‘ok, vamos ver o que é que isto dá e logo se vê.’ Eu não sou assim, eu sou um português exigente e tenho um cargo de responsabilidade, sou pago para defender uma empresa e para trabalhar numa empresa que é paga por todos nós e, portanto, nós todos achamos que não podemos baixar os braços e ser mais uns neste caminho do deixa andar. Nós não deixamos andar. E, o que prejuízo é enorme, não só financeiro, é de credibilidade, é de motivação, é de mercado. Há aqui projectos que estão a ser inflacionados e que se calhar estão a ganhar um fôlego que não têm.”
Quem paga a fatura?
“Já estamos nós a pagar. E quando eu digo nós, somos mesmo todos, porque a RTP somos todos. A RTP não somos só todos para algumas coisas, e quando nós dizemos que temos que defender a RTP é defender o nosso trabalho, a empresa para que trabalhamos e o dinheiro que dez milhões de portugueses lá metem, porque é por isso que nós somos chamados à atenção. Nós temos essa responsabilidade. E o prejuízo, quando eu digo que é de todos, é de todos. É dos dez milhões, mesmo daqueles complacentes com o processo, porque eles também pagam”
O serviço público
“A questão da medição não é importante, na medida em que se você me perguntar a mim ou a qualquer pessoa que trabalhe, em qualquer área, se prefere ter 15 ou 12, todos preferimos ter 15. No serviço público, isso não tem que ser a regra, não tem que ser esse o fator de ponderação. Mas eu quando abro de manhã as audiências, eu, programador, preciso de saber se o projeto que fiz ontem resultou. Preciso de saber com que públicos é que contactei, onde é que fui mais eficaz, onde é que fui menos eficaz, para na semana a seguir chamar a equipa de produção e corrigir o que está mal. As audiências servem para duas coisas. Quantitativamente, nós ainda faturamos publicidade, nós ainda temos, nesse aspeto temos um prejuízo enorme, mas isso é a parte quantitativa. A parte qualitativa, essa é que me preocupa muito, porque estamos todos a ser orientados por um modelo que não é real. Portanto, eu já nem falo do número. Eu acho estranho que haja menos gente a ver jogos do Benfica do que a ver jogos do Sporting.”
A importância de um sistema de audiências
“Todo este mercado funciona à volta dos números, mas não é do 22, do 21 ou do 17. É quando abrimos aquilo (documento com os resultados) e vamos ver, com detalhe o que é que lá está dentro. Esse é o nosso instrumento de trabalho diário, e se ele não é bem feito não temos condições de fazer um bom trabalho e nós, é todos, mais uma vez, não é nós, RTP. Podemos fingir, podemos chegar ali e dizer, foi excelente, não foi nada. Precisamos de ter referências sérias. Nós precisamos de saber se pessoas de idade estão a gostar da televisão que nós fazemos. Nós precisamos de ter a certeza de que estamos a trabalhar bem e aquilo é a nossa ferramenta de trabalho. Se a ferramenta está estragada, ninguém trabalha em condições”
O destaque dado no Telejornal
“Eu acho, sinceramente, que é notícia. E é notícia por estas coisas que tenho estado aqui a falar. Eu acho muito mais importante que se trate bem as questões da saúde, da justiça, da segurança social, do que a comunicação social, não acho que seja a coisa mais importante do mundo. Eu ficaria muito mais preocupado se não funcionassem os hospitais do que não funcione a GFK. Agora, acho que, quando uma decisão, uma opção, põe em causa o trabalho de muita gente, a seriedade dos processos, eu acho que isso é notícia. E acho que o Telejornal, o Jornal da Tarde, todos os jornais, devem fazer notícia, sempre que considerarem que ali há notícia. E nós não podemos ser exceção. Nós não podemos dizer, ‘ok, isto é uma notícia que nos envolve, não falamos.’ Temos que falar, seja boa, seja má. Também falámos das más. Temos que falar mesmo, porque há aqui uma questão que é preciso perceber: O tempo a passar, o silêncio à volta deste processo convém a algumas pessoas, mas não convém à seriedade do processo e nós temos que lutar contra essa maneira de estar das pessoas que foi baixar os braços e dizer ‘Ok, é isto que temos, deixa andar’, nós não queremos deixar andar, falaremos até que seja necessário, incomode quem incomodar, chateie quem chatear, doa a quem doer, arranjamos as inimizades que tivermos que arranjar, porque não isto não é pessoal, é profissional e portanto nós continuaremos a nossa luta, até ao fim. Isso aí é inequívoco.”
As atitudes de SIC e TVI
“Compreendo, mais de um do que de outro, mas temo que esse silêncio daqui a uns tempos, lhes seja prejudicial a eles e que nessa altura seja tarde para eles fazerem uma relexão mais adequada, porque eu acho que isto não é um problema entre a SIC a TVI e a RTP. Acho mesmo que não é. Acho que isto é um problema de mercado e acho que quando o mercado estiver de rastos por causa destas más opções pode ser tarde para todos nós. E, portanto, espero que eles tenham esta preocupação também e que percebam que não vale a pena estar bem hoje, para estar mal amanhã. É melhor o contrário. Estar mal hoje, mas estar melhor amanhã. Era só isso que gostava que eles fizessem.”