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Segura o Meu Coração

A Televisão
9 min leitura

Segura Segura O Meu Coração

O som das máquinas acompanhava o longo respirar de Ana. As figuras da noite eram projectadas nos lençóis, no corpo adormecido. Sentiu-se a acordar para a realidade. Para a vida que ficara suspensa pelo sono de umas horas, mas que prometiam mudar todo o rumo da sua vida… Os seus olhos entreabriram-se, os seus lábios sentiam o ar desinfectado do quarto do hospital, enquanto os seus dedos se agarraram ao lençol. Na sua mente passavam fracções de segundos do acidente que tivera: o telemóvel que tocou, o telefonema de Paulo, o sorriso que esboçou com o convite deste, as luzes na sua direcção, o embate do carro no seu corpo desamparado…

Tentou mover as pernas, mas não conseguiu. Sentiu uma mágoa imensa, uma avalanche de tristeza. Nunca imaginou que um dia iria acordar assim. Perguntou-se a si mesma o que iriam as pessoas dizer…

Sempre fora invejada pelo resto do mundo, pela sua beleza, pelo seu ordenado, pela sua força. Mas bastava apenas um dedo da sua mão para contar a única pessoa que não a abandonara: o único que ainda restara era Paulo. Ana não era uma pessoa fácil, a sua imagem forte e decidida afastara tudo à sua volta, inclusive os seus pais. Mas a paixão que nascera entre ela e Paulo juntara os dois há mais de oito anos. Uma paixão forte, uma chama intensa que era alimentada dia após dia com cada carícia, cada beijo, cada abraço…

Paulo entrou no quarto, devagar, pensando que Ana ainda estivesse dominada pela anestesia. Sentou-se na cadeira e ficou a olhar para ela. A sua namorada de há já oito anos estava ali deitada numa cama de hospital. Nunca pensou que a vida lhe pregasse uma partida daquelas.

Ana sentiu a mão de Paulo na sua face. A dureza da mão deste era inigualável. Tentou mover-se novamente, mas sem sucesso. Sentiu a sua face fria. Uma lágrima gélida nasceu do seu olho e percorreu o lado esquerdo da sua cara. Paulo limpou a lágrima com a sua mão e este começou a chorar no peito de Ana.

– Não posso fazer nada! Ninguém pode! Aquele carro nem te viu! Estragou as nossas vidas… Sinto-me tão impotente! – gritou Paulo, devorado pelo sofrimento de ver a sua amada naquele estado.

– Paulo, eu não te culpo! A culpa não é tua! – Ana tentou acalmá-lo. Tentou a todo o custo chegar com a sua mão à face dele, mas não conseguiu. Os seus olhos inundaram-se de lágrimas de dor.

– Eu podia fazer…! – Paulo soltou um grito e deixou-se cair no chão. Os seus olhos estavam alagados de dor e fixados no corpo dela.

Ana virou a sua cabeça para a janela. As lágrimas e os gemidos tomaram conta de si. Um tsunami de sentimentos atacou o seu coração.

Paulo continuava a chorar. Parecia paralisado. Nunca imaginou passar por um sofrimento pelo qual estava a passar. Não era um pesadelo. Era a vida real, na sua versão traidora de sonhos e proporcionadora de dor. Sentia-se a moer por dentro. Ver aquilo que estava a ver era uma imagem do inferno.

Ana virou a sua cara novamente para Paulo. Magoava-a ainda mais o sofrimento que provocara em Paulo, o homem que lhe prometera estar nos bons e maus momentos. Mas isto era o auge da dor que qualquer pessoa podia passar. Com todas as suas forças, tentou que as palavras se soltassem da sua boca.

– Paulo, por favor… – a dor era tão grande que não conseguiu falar. Soltou um grito de raiva e desespero.

Paulo aproximou-se de Ana. Os passos pesavam-lhe. Sentiu o coração bater ainda mais forte. Sentiu-se incapaz vendo as coisas passar à frente dos seus olhos sem poder fazer nada.

– Porquê? Porquê isto? – desabafou Paulo de joelhos no chão com as suas mãos na face de Ana.

– Paulo, olha-me nos olhos! – pediu Ana – Paulo, a tua vida continua…

Paulo levantou-se de repente. Bateu com a cabeça na parede gritando:

– A minha vida continua?! E a tua? Só por estares assim eu não te vou abandonar! Continuas a ser a mulher que eu amo mais do que tudo. Apenas te tenho a ti!

– E eu apenas te tenho a ti! – gritou Ana com a força da dor.

Paulo cerrou os dentes devorado pela dor e fechou os punhos.

– Paulo, eu quero pedir-te uma última coisa! – disse Ana fechando os olhos com força, na esperança de que Paulo cedesse ao seu pedido.

– Uma última coisa?! Eu não acredito no que estou a ouvir… – levou as mãos à cara.

– Eu não quero viver assim ao teu lado! Deve existir alguém neste Mundo que goste de ti e que te fará feliz, já que eu não vou conseguir… – gritou Ana fazendo eco no quarto, onde o seu choro incontrolável renasceu.

Paulo saiu do quarto a correr.

Passaram-se dias e sem Ana ver o Paulo. Arrependera-se das últimas palavras que lhe dissera. Ele não merecia o que lhe pediu. Mas não valia de nada chorar sobre o leite derramado. Telefonara-lhe vezes sem conta, mandara e-mails, mensagens, até cartas, mas nunca obtivera resposta. Apenas umas flores com uma carta com algumas linhas escritas…

Ana,
O tempo passa, mas a dor fica. É injusto o que nos aconteceu… Passei os meus dias a pensar o que fazer das nossas vidas. Ao fim de tanto tempo, descobri… És a única pessoa que me faz viver e se não estás ao meu lado, eu não quero viver…

Ana soltou um grito e sentiu uma revolta enorme. Agarrou no telemóvel, desesperada. Paulo atendeu,  finalmente.

Sabes onde estou? No nosso sítio, na Quinta da Regaleira, com uma pistola apontada para mim, pronto a disparar. Parece-me a única maneira de acabar com esta dor que não me deixa…

– Paulo, por favor, não faças isso! – Ana tentou a todo o custo impedir Paulo.

Se não te posso ter nesta vida, espero que numa outra possamos estar juntos para sempre, sem nada que nos impeça. Não quero obstáculos no nosso caminho, apenas quero sentir e viver o nosso amor!desabafou Paulo. Este carregou a arma.

Ana, no meio do turbilhão de sentimentos, pediu-lhe apenas:

– Espera por mim! – e, com todas as suas forças, abriu a janela do quarto. Olha para baixo e tentou sentar-se no parapeito. Sentiu uma sensação de conforto e de felicidade. – Vamos fazer isto juntos!

– Amo-te! – disseram os dois ao mesmo tempo.

Ana atirou-se da janela do quarto andar. O telemóvel seguiu na sua mão. Caiu inanimada no chão. O seu telemóvel libertou-se-lhe do aperto da sua mão. Do aparelho, apenas se ouviu uma intensa inspiração…

 

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