fbpx

Entrevista a Rita Blanco

A Televisão
12 min leitura

A conhecida actriz, de 45 anos, que acabou de regressar à antena da RTP1 com a reposição de “Conta-me Como Foi”, dá uma entrevista ao “Jornal de Notícias”, onde diz que “Evito levar-me a sério”.

Rita B Entrevista A Rita BlancoA que memórias daquela época recorreu para construir a Margarida?

A série começa na década de 60, mas na de 70 e 80 as coisas não eram assim tão diferentes. Somos um país lento a evoluir. Reportei-me à minha família: à maneira de falar da minha avó. Os meus parentes eram todos do Norte, do Douro, e migraram para Lisboa, mas as raízes eram do campo. Lembrei-me da maneira conservadora com as pessoas se tratavam. Hoje a minha filha trata-me por tu, mas eu nunca tratei a minha mãe assim. E ela não se atrevia a falar com a minha avó sem dizer “minha mãe”. Recorri ainda aos filmes dos anos 40 e ao que li, desde Eça de Queirós, a Júlio Dinis. Tinha uma família envolvida politicamente e anti-sistema – o meu padastro foi preso político, pertencia ao partido comunista. Quando era miúda, sabia que havia coisas que não se podia dizer. Conheci o Zeca Afonso, o José Mário Branco. Andei ao colo deles. Hoje a vida é mais “stressante”, acontece tudo depressa. Antes, falava-se mais devagar.

A sua personagem é uma esposa e mãe subordinada ao machismo…

As mulheres naquela altura eram submissas, mas, às vezes, lá levavam a sua água ao moinho. Conseguiam levar avante o que queriam mas tinha de ser com cuidadinho. Esta personagem tem um marido que, apesar de tudo, a ama, não querendo contudo dizer que as pessoas não se amassem na época, mas a verdade é que não havia muitos casais que depois de 20 e tal anos juntos permanecessem apaixonados. O homem mandava e a mulher baixava a bolinha. A Margarida começa a ganhar dinheiro através da costura e vai conseguindo evoluir, porque é esperta, tem uma forma de submissão manipuladora.

Em televisão, é mais interessante fazer um trabalho de época?

É um meio em que se trabalha muito pouco as personagens.Na ficção histórica temos mais material, há mais transformações. Uma série pede outra maturação.

Como reagiu à decisão de José Fragoso de repor “Conta-me “ diariamente?

Não sabia. Se isso agradar ao público… Não sou programadora e não me arrogo a esse direito. Isto é um produto comercial. Há horários que acho que podem funcionar melhor para a série. Gostava que os miúdos a vissem. A minha filha não pode vê-la, pois deita-se entre as 21 e as 21.30 horas.

Quanto ao “Dança comigo” como descreve a experiência de ter sido jurada?

Foi divertido. Gostei de reencontrar a Catarina Furtado com quem trabalhei há muitos anos no “Caça ao tesouro”. Eu era muito mais nova, a Catarina era um bebé. Foi interessante descobrirmos uma nova maneira de contracenarmos.

Contagiava todos com o seu humor, levava a sério as funções de avaliar?

Tentava ser o mais justa possível. Agora, o levar-me a sério é uma coisa que eu evito a todo o custo. Levava a sério a função, a mim não me levava nada a sério. Tenho alguma sensibilidade e sou observadora, mas não me pediram que fosse uma profissional, mas uma curiosa a julgar.

O formato não estará esgotado?

Não vejo muita televisão porque não tenho tempo, portanto, não levei com a avalanche de todo o “Dança comigo”, via só às vezes.

Como está a ser o regresso aos palcos?

Fico sempre nervosa. Já não fazia teatro há um ano e tal. Decidimos fazer um espectáculo em que só havia um tema: a festa. Cada um escreveu e construiu a personagem. Um trabalho com improvisações é um processo moroso. Houve um mês para escrever e depois era preciso estrear.

Em que é consiste a sua personagem?

Tudo se passa num fim de ano que reúne um grupo de pessoas sozinhas. Eu faço de anfitriã.

Como tem sido a adesão do público?

O espectáculo foi feito com muito pouco dinheiro, pelo que não tem sido publicitado. No primeiro fim-de-semana estivemos cheios, pois havia o festival de Almada em que este estava integrado. A primeira semana foi boa, na segunda esteve pouco público, apesar de ser uma peça com actores novos, só com uma hora, que se vê muito bem.

O facto de ter visibilidade pública , não arrasta audiência para a peça?

Se houver publicidade talvez, sem publicidade é muito difícil.

A vida para si é uma festa?

Às vezes. Se fosse só uma festa era muito maçadora. Há bons momentos e maus momentos. Faz parte da vida. Nós fazemos dela o que queremos, quando podemos. Há quem tenha menos sorte. Hoje em dia a sociedade é individualista. Se calhar temos de começar por tratar bem o vizinho, dar mais atenção aos amigos.
Se estivermos atentos ao que os outros precisam e se formos cada vez mais generosos, mais respeitadores da condição humana, e incutirmos isso em casa, pode ser que se pulverize. Eu tenho tido muita sorte, mas a maior parte das pessoas não tem. Faço o que gosto, sei o que quero, mas tive todo o espaço e oportunidades. Viemos de uma ditadura que castrou as pessoas de pensarem, de ambicionarem mais. Nós gostamos todos dos estrangeiros, mas nunca gostamos de nós. Podemos aprender com os espanhóis que são muito mais briosos. Nós tratamo-nos mal uns aos outros. Sou apologista daquele mal-dizer português. Mas calma lá, temos coisas bestiais aqui. Nós temos a luz mais bonita do mundo e isso tem de ser uma mais-valia, não pode ser só uma circunstância.

Tem saudades da “Noite da má língua”?

Para fazer outra vez, não. Se foi uma coisa que eu gostei de fazer, foi. Tenho memórias boas, tenho. Eu conheci muita gente que estava ligada ao surrealismo, que é um estar muito engraçado, que me abriu as antenas todas. Nós temos artistas como o Alexandre O’Neil, pessoas muito engraçadas. É uma coisa tipicamente portuguesa, ele tem uma alma lusa e isso é muito giro. Devíamos ter imenso orgulho, sendo assim mal-dizentes: o lado de nos desfazermos pela graça, uma auto-crítica engraçada. Eu lidei muito com isso. É muito interessante, é um olhar despojado sobre as coisas, uma maneira de nos auto-criticarmos de forma inteligente. Somos mordazes, não podemos é ficar todos na cepa torta. Temos que evoluir, nós só estamos a piorar. Cada vez mais ladrões, mais corruptos. Não pode ser, não faz sentido nenhum.

Costuma fazer em casa “noites da má língua”?

Costumo, quando tenho tempo. Conversar sobre o que se está a passar, é só uma prova de curiosidade. Rimo-nos. Diz que rir faz muito bem. É rir e sexo, diz que dá muita saúde. E eu faço o mais que posso. A “Noite da má língua” teve o seu tempo, a sua fórmula, naquele contexto, diverti-me imenso a fazer, mas se calhar agora apetecia-me encenar uma peça, ou abrir uma escola de teatro para crianças. Podia ser muito engraçado, porque desinibe os miúdos, torna-os mais disponíveis, é um jogo bom para eles.

Qual é a sua opinião relativamente a esta geração de actores saídos de “Morangos com açúcar”?

Se eles são bons, óptimo, se não são, morrem. Não tenho nada contra nem a favor. Acredito que para se funcionar bem tem de se estudar, não desfazendo. Nunca vi nenhum médico sem tirar o curso. Se calhar há actores brilhantes que não estudaram, que foram auto-didactas, ou que são geniais. Mas o genial é a excepção, o fundamental é estudar e aprender. Pode-se também ter estudado e ser-se mau. Mas não acredito na facilidade. Só se pode ser muito bom se se trabalhar muito. Se me chateia a mim, não. Não é preciso ser actor para se fazer telenovelas, aliás nem convém muito. Basta-nos muito pouco. O público pede pouco, quando tem de exigir qualidade. Mas se o público come tudo, porque é que não lhe hão-de dar de tudo.

Para quando um retorno ao grande ecrã?

Por acaso, acabei de ler agora um guião de uma realizadora com quem fiz uma curta-metragem que é a Margarida Leitão e, em princípio, vou aceitar fazer o filme com ela até Setembro, altura em que começarei a gravar a próxima temporada do “Conta-me”. Em Agosto, não sei como, mas vou fazer uma curta-metragem com o João Constâncio. A seguir vou começar a preparar um outro filme do João Canijo, que vai ser escrito por nós; ou seja; vai ser construído a partir de improvisações. Irei para um restaurante trabalhar, pois vou encarnar uma cozinheira. A minha vida já está toda agendada até daqui a dois anos.

Considera-se a actriz fetiche de João Canijo?

Isso tem de lhe ser perguntado a ele. Eu sou uma actriz que trabalha há muitos anos com o João Canijo e com quem tenho um percurso estético e uma evolução em comum. O João cresceu a aprender sobre actores também comigo, não fui só eu que aprendi com ele. Eu tive uma sorte muito grande de conhecer um realizador tão nova e fazer com ele um trabalho de continuidade. O João é sério a trabalhar e trabalhar muito tem resultados práticos.

Relacionado:
Siga-me:
Redactor.